[vctrlima] - Incentivos e comportamentos - Final
Modelos mentais e a sua influência no entendimento de incentivos e comportamentos em sistemas complexos e dinâmicos
“You can ignore reality, but you can’t ignore the consequences of ignoring reality”
Ayn Rand
Durante a última série de artigo exploramos como incentivos e metas guiam parte dos comportamentos dentro de um sistema dinâmico e complexo.
No primeiro artigo vimos como uma abordagem feita a partir de um pensamento linear ao endereçar um problema complexo pode levar a efeitos de segunda ordem gerando diversas consequências indesejáveis. Este foi o caso do conhecido Cobra Effect, assim como explica parte do escândalo de fraude na abertura de contas no Wells Fargo na década passada e muitas outras intervenções do tipo.
No segundo artigo da série descrevemos de uma maneira genérica a dinâmica básica de incentivos a partir da relação target/actual/gap para induzir o comportamento esperado dentro de uma corporação.
Falamos também sobre como muitas vezes esses sistemas de incentivos para endereçar algum problema acabam agravando esse problema no médio/longo prazo, os chamados fixes that fail que é um arquétipo bastante comum em sistemas dinâmicos complexos
No terceiro artigo da série exploramos como um sistema de incentivos considerando freios e contrapesos consegue colocar restrições habilitadoras em um sistema dinâmico complexo, evitando que apenas uma variável seja otimizada em detrimento de todas as outras, fazendo com que o sistema tenda a equilíbrios mais sustentáveis e em mais de uma dimensão.
No quarto artigo da série exploramos como o processo de melhoria contínua com targets e focos que progridem gradualmente podem ser usados para elevar a maturidade de uma empresa ao longo do tempo.
No quinto artigo vimos como o processo de avaliação ajuda a guiar o comportamento dentro da empresa a partir dos incentivos e metas estabelecidas.
Vimos também como o processo de internalização sobre o que é considerado mérito dentro daquela cultura é propagado para outros dentro da corporação gerando um aprendizado organizacional.
Neste, e último artigo da série, vamos entender como parte do processo de tomada de decisão pode ser modelado no nível do indivíduo e como os modelos mentais são um fator chave para o aprendizado e visão de mundo ao conceber esquemas de incentivos:
“(…) Our perceptions are selective, our knowledge of the real world is incomplete, our mental models are grossly simplified and imperfect, and our powers of deduction and inference are weak and fallible. Emotional, subconscious, and other non rational factors affect our behavior. Deliberation takes time and we must often make decisions before we are ready.
As an example, consider a basic problem facing the managers of any business: capital investment. Managers must decide when and how to invest in capacity and only desire to invest when they believe the investment will be profitable. To do so optimally, they must choose the rate of investment that maximizes the net present value of the firm’s expected profits, for all future time, as the competitive environment, input costs, demand, interest rates, and other factors affecting profits change.
They must take into account all possible contingencies including the ways in which other actors in the environment ( suppliers, competitors, workers, customers, government, etc.) might react to any decisions the firm makes. In general, these inputs are linked in a complex network of feedback relationships and may also be influenced by random shocks.
(…)
None of these conditions is met in reality. In practice, the complexity of the problem is so overwhelming that no one can solve it or even agree on what the relevant variables and policy options are.”
fonte: Business Dynamics, Learning is a feedback process - John D. Sterman
Para falarmos sobre o comportamento humano em um contexto complexo, precisamos primeiro avaliar como parte do aprendizado acontece quando interagimos com o mundo real e como internalizamos os feedbacks recebidos desta interação.
Aprendizado e feedbacks em contexto complexo
“Just as dynamics arise from feedback, so too all learning depends on feedback. We make decisions that alter the real world; we gather information feedback about the real world, and using the new information we revise our understanding of the world and the decisions we make to bring our perception of the state of the system closer to our goals.”
fonte: Business Dynamics, Learning is a feedback process - John D. Sterman
Ao longo da sua carreira acadêmica, o psicologo Chris Argyris explorou o impacto de estruturas organizacionais formais, sistemas de controle e de gestão sobre os indivíduos em uma corporação, e como eles se comportavam e se adaptavam a elas ao longo do tempo.
Segundo Argyris, tomamos decisões sobre como vamos tentar influenciar o mundo real baseado no feedback que recebemos do mesmo: informações sobre o seu estado atual e sobre como as intervenções/interações que tivemos com ele no passado o afetaram e alteraram o seu estado.
No entanto o feedback das informações do mundo real não é o único input para as nossas decisões:
“Decisions are the result of applying a decision rule or policy to information about the world as we perceive it (…). The policies are themselves conditioned by institutional structures, organizational strategies, and cultural norms. These, in turn, are governed by our mental models."
fonte: Business Dynamics, Learning is a feedback process - John D. Sterman
Isso é o que Chris Argyris descrevia como single-loop learning: um processo que descreve como nós concebemos e desenhamos a nossa tomada de decisão para tentar influenciar o mundo a partir dos nossos modelos mentais vigentes.
Ou seja, os nossos modelos mentais sobre como o mundo real funciona somado as informações que recebemos, filtramos e processamos do mesmo, servem de input para as nossas tomadas de decisões.1
Este no entanto não é o único jeito de aprender e interagir com o mundo real. O modelo single-loop learning assume um pré-requisito de que os nossos modelos mentais sobre como o mundo real funciona permanecerão intactos ou não serão desafiados.
Ou seja, por essa perspectiva o feedback dos resultados após intervirmos no mundo real não alteram os nossos modelos mentais, e isso pode ser problemático, especialmente em situações dinâmicas e complexas que requerem mudanças.
Para contextos adaptativos, complexos e dinâmicos, onde existe a necessidade de reavaliação dos modelos mentais dos interventores em um sistema complexo, Chris Argyris descreveu o que chamou de double-loop learning.
Diferentemente do single-loop, conforme recebemos feedback sobre o estado do mundo real após as nossas decisões, nós não apenas utilizamos esse feedback para informar as nossas próximas decisões, como também usamos essa informação para reavaliar o encaixe dos modelos mentais que estamos usando com o desafio que estamos enfrentando.
A diferença entre os dois processos de aprendizados pode ser descrita da seguinte forma:
“[A] thermostat that automatically turns on the heat whenever the temperature in a room drops below 69°F is a good example of single-loop learning. A thermostat that could ask, ‘why am I set to 69°F?’ and then explore whether or not some other temperature might more economically achieve the goal of heating the room would be engaged in double-loop learning
Highly skilled professionals are frequently very good at single-loop learning. After all, they have spent much of their lives acquiring academic credentials, mastering one or a number of intellectual disciplines, and applying those disciplines to solve real-world problems. But ironically, this very fact helps explain why professionals are often so bad at double-loop learning.
(…)
effective double-loop learning is not simply a function of how people feel. It is a reflection of how they think—that is, the cognitive rules or reasoning they use to design and implement their actions.
Think of these rules as a kind of ‘master program' stored in the brain, governing all behavior. Defensive reasoning can block learning even when the individual commitment to it is high, just as a computer program with hidden bugs can produce results exactly the opposite of what its designers had planned.”
fonte: Teaching Smart People How To Learn, Chris Argyris
Vamos voltar para o nosso exemplo da fraude generalizada da equipe de vendas e atendimentos no banco Wells Fargo.
O modelo mental dos executivos que desenharam a política de recompensa e incentivos para os funcionários do banco possui diversas suposições, por exemplo:
funcionários ficarão estimulados a produzir mais dado uma meta agressiva
funcionários ficarão estimulados se a pressão produzida por sistema de incentivos for grande, como se estivessem em um imperativo de sobrevivência.
o mercado vai apreciar o valor da ação se o número de clientes com cartão de crédito aumentar como efeito desta politica de incentivos
Estes exemplos hipotéticos de suposições que poderiam estar habitando dentro dos modelos mentais dos interventores na Wells Fargo ajuda a entender como políticas e metas como aquelas são concebidas e desenhadas.
É dentro do contexto de modelos mentais que suportam tais suposições que uma politica como aquela acaba sendo desenhada.2
Escada da inferência e o reforço dos nossos modelos mentais
Chris Argyris também ficou popular por conceber um modelo para descrever o processo mental para inferir algo a partir de feedbacks, dados e fatos recebidos do mundo real.
O processo que ele descreveu funciona como uma escada com múltiplos degraus, cada um construído em cima do degrau anterior e carregando com ele as suposições prévias.
O que é relevante para nós é que esses modelos mentais e reconhecimento de padrões são úteis justamente porque servem para cortar caminho no processo de entendimento de uma situação na realidade permitindo uma tomada de decisão mais rápida em um curto espaço de tempo.
O processo de inferência começa a partir de um grupo de dado e fatos observáveis sobre o estado do mundo real, a partir dos quais selecionamos ( conscientemente ou inconscientemente ) alguns dos dados e fatos observados, adicionando significado para eles.
Após este passo fazemos suposições sobre o que explica e causa esses significados, que nos levam a conclusões que fortalecem ( ou questionam ) nossas crenças e que por último servem guia para as nossas ações e decisões.
O problema com a escada da inferência é que muitas vezes escolhemos os dados a partir da realidade que confirmam as nossas crenças e visões de mundo, para justificar as ações que já gostaríamos de tomar em primeiro lugar.
Ou seja, talvez no caso da Wells Fargo, os interventores tenham uma concepção de mundo na qual “a equipe comercial só funciona bem sobre pressão”, ou “vamos dar uma meta e deixar o pessoal se virar para lidar com ela, isso sempre costuma gerar bons resultados com esse tipo de gente”, e coerentemente tenham selecionado dados e fatos observáveis da realidade que corroborem estas crenças e modelos mentais.
Ser consciente deste processo de tomada de decisão, ajuda líderes a entenderem melhor os seus bias e entenderem de maneira mais eficiente se os modelos mentais sendo usados são os mais adequados para a situação em mãos.
Boas políticas e intervenções em sistemas dinâmicos e complexos com o intuito de incentivar o comportamento em uma direção sustentável requerem modelos mentais que estejam constantemente sendo avaliados e reavaliados conforme os resultados das ações no mundo real voltem como informações para guiar o processo de entendimento das suas repercussões e como podemos ter mais sucesso em intervenções futuras.
Intervenções e políticas construídas com um pensamento linear, sem permitir o aprendizado a partir de uma rede de feedbacks retroalimentando o entendimento do sistema em questão, fatalmente conduzirão as intervenções para patamares e comportamentos insustentáveis, especialmente em cenários dinâmicos e complexos, simplesmente porque essas abordagens impedem o aprendizado de maneira estruturada e baseada em fatos.
Neste serie de artigo exploramos diversas perspectivas sobre incentivos e comportamentos em sistemas dinâmicos e complexos, no entanto, de longe a principal e mais eficaz maneira de lidar melhor com problemas e desafios complexos é começando pela avaliação sistemática dos modelos mentais e visões de mundos com as quais você está tentando endereçá-los.
Espero que tenham gostado.
Adicionalmente aos modelos concebidos por Chris Argris, eu recomendo muito a leitura de expoentes como Daniel Khaneman ( ex.: Thinking: Fast and Slow ) ou ainda Nassim Taleb ( ex.: Fooled by randomness )
Vale ressaltar que uma abordagem mais reflexiva ao se confrontar com o desafio de aumentar a quantidade usuários com cartão de crédito no banco poderia, por exemplo, avaliar as principais causas que impedem o crescimento da base de usuários, e em vez de apenas incentivar o comportamento na direção de fechar o gap.
Talvez uma abordagem mais sustentável seja estimular a empresa a ativamente reduzir ou eliminar as principais fricções no processo ou talvez ainda redesenhar o produto por completo atendendo a necessidades latentes dos clientes do banco e do mercado, estimulando assim a demanda.