Em 1987 uma das três maiores empresas de produção de alumínio no mundo, a Alcoa, anunciava o seu novo CEO Paul O’Neill. Em um de seus primeiros comunicados para os acionistas, investidores e empregados sobre os objetivos para os próximos anos, O’Neill não falou sobre o lugar comum do preço da ação, market share, return on investments ou outros indicadores financeiros habituais, em vez disso ele deixou explicito que a sua prioridade número 1 seria segurança, especialmente a segurança no ambiente de trabalho.
O’Neill estabeleceu um target de zero incidentes entre funcionários, fornecedores e visitantes em suas fábricas. Vale lembrar que a produção de produtos de alumínio, como latas de refrigerantes, peças para automóveis ou janelas pode ser um processo extremamente perigoso, especialmente para os funcionários envolvidos na cadeia de produção, desde a extração dos materiais até o seu processamento químico e finalização.
A Alcoa já possuía indicadores de segurança que no geral figuravam acima da média da indústria, então porque colocar uma ênfase em segurança se a empresa já estava performando melhor do que os seus competidores neste quesito?
O’Neill entendia a relação entre as diversas partes de um sistema complexo como a Alcoa e sabia que o foco em segurança, ou melhor, em ter zero incidentes para empregados, fornecedores ou visitantes, forçaria a empresa a ter entendimento completo sobre os seus processos e procedimentos, implantando mecanismos de melhoria e revisão continuada gerando aprendizado organizacional, e por último melhorando o seu resultado.
Além disso, a força de trabalho ao perceber que o foco do CEO era a segurança ao executarem o seu trabalho, acabou criando um maior engajamento, senso de pertencimento e aumento da moral, o que também ajudou no ganho de produtividade e melhorou o resultado no médio/longo prazo.
Ao focar em uma parte do sistema, Paul O’Neill sabia que influenciaria gradualmente as outras partes levando a mudança e melhoria continuada que ele desejava fazer ao longo do seu período como presidente da empresa.
Neste artigo vamos explorar como podemos utilizar a abordagem target/gap/actual para guiar a melhoria continuada em uma organização…
Melhoria continua e progressão gradual de targets
Vamos imaginar que uma empresa com um nível baixo de maturidade em descoberta e desenvolvimento de software deseja gradualmente ir aumentando a sua maturidade até um novo e melhor patamar.
A dor inicial enfrentada por ela é que hoje existem muitos incidentes críticos em produção onde a aplicação fica constantemente indisponível para servir aos seus clientes, impactando a satisfação do usuário, a moral dos funcionários, o resultado financeiro e a marca da empresa.
Como um patamar inicial, um gestor poderia implementar a seguinte política: focar em diminuir a quantidade de incidentes críticos em produção ( target ) a partir do patamar corrente ( actual ).
Como já vimos, esse incentivo deveria estimular o comportamento para que ações que resolvam a diminuição dos incidentes em produção sejam executadas. Uma vez reduzida a quantidade de incidentes em produção, deveríamos gradualmente estimular a melhoria focando em um outro indicador que seja mais representativo do patamar onde queremos chegar.
Ou seja, se antes os incidentes em produção eram o problema da vez, agora podemos focar, por exemplo, na quantidade de bugs encontrados no ambiente de homologação antes de subirmos para produção.
Ao gradualmente movermos a atenção para um quesito mais consistente de qualidade podemos aos poucos ir considerando uma melhoria sustentável do processo.
Após estabelecido um target para a diminuição de bugs em homologação, ações para chegar neste patamar serão estimuladas, eventualmente fazendo o actual chegar no patamar estabelecido pelo target, fechando o gap e diminuindo a pressão.
Caso o processo de melhoria continua seja mantido, deveríamos agora buscar outro ponto a ser otimizado, por exemplo, se já estivermos em um patamar onde a quantidade de incidentes críticos em produção esteja aceitável pela corporação e a quantidade de bugs que são descobertos em homologação estiver também adequada, podemos agora focar em aumentar o nível de qualidade esperado do software enquanto ele estiver na fase de desenvolvimento, por exemplo, aumentando o quão estrita é a checagem de uma ferramenta de inspeção de qualidade do código durante o seu processo de build.
Ao aumentar o quão estrita vai ser a expectativa de qualidade do código, deveríamos aumentar o gap para melhorias no código, estimulando o comportamento nesta direção, permitindo uma melhoria incremental e contínua na direção esperada.
Reparem que os links para se iniciar um dos ciclos acontece após a pressão para se fechar o gap do quesito anterior tenha sido diminuída, ou seja, por esta abordagem vamos focar primeiro nos problemas ( sintomas ) do ambiente produtivo, uma vez sanados esses problemas, vamos focar nos problemas ( sintomas ) de homologação, e uma vez sanados esses, vamos focar nos problemas da qualidade de código e assim por diante. Essa abordagem pode ser repetida ad infinitum para irmos elevando continuamente a maturidade da empresa nos quesitos escolhidos.
Obviamente, assim como vimos nos artigos anteriores, para cada um desses targets devemos considerar se não existe um indicador o qual deveríamos usar para equilibrar a otimização do primeiro, por exemplo: incidentes em produção equilibrado com frequência de release, bugs em homologação com throughput de itens sendo finalizados em desenvolvimento, aumento da expectativa da qualidade de código com a taxa de itens de negócio entrando no backlog e assim por diante, sempre tentando estimular um equilíbrio de incentivos para evitar os efeitos perversos de uma intervenção neste sistema complexo e dinâmico.
O grande takeaway tanto da abordagem de sucesso na Alcoa assim como no exemplo acima, é tentar abordar o processo de melhoria contínua em uma organização a partir de uma visão sistêmica, sempre considerando as interdependências e relações entre as partes de uma empresa para constituir o seu todo.
Eu recomendo fortemente verem o video no inicio deste artigo para entender o modelo mental do Paul O’Neill durante a transformação da Alcoa.
Tudo o que vimos até agora nesta série de artigos explora uma abordagem mais quantitativa do problema de incentivos e metas, porém nem tudo dentro de um contexto organizacional consegue ser medido de maneira objetiva e na forma de target/gap/actual de uma maneira eficiente, vamos explorar como podemos lidar com isso no próximo artigo.
ótimo artigo!