Incentivos e comportamentos - parte 5
Processos de avaliação de performance, incentivos e contratos relacionais como motores do aprendizado organizacional
“It is impossible to understand the nature of a formal organization without investigating the networks of informal relations and the unofficial norms as well as the formal hierarchy of authority and the official body of rules, since the formally instituted and the informal emerging patterns are inextricably intertwined.”
- Formal Organizations: A comparative approach, Peter Blau / Richard Scott
Se até aqui exploramos targets e metas que costumam ter características quantitativas bastante claras, onde deveria ser bem direta a capacidade de medir o progresso em direção a uma meta e ter clareza sobre se atingimos o target ou não, neste artigo vamos explorar como o processo de avaliação de performance incentivam o comportamento dos agentes dentro de uma empresa em uma determinada direção.
Vamos também explorar como os aspectos subjetivos e qualitativos de incentivos e metas, algumas vezes chamados de contratos relacionais, podem acomodar ambiguidades e incertezas de alguns tipos de objetivos e metas. Além disso vamos explorar a forma com que mecanismos como curva forçada podem incentivar ( ou não ) os comportamentos corretos dentro de uma organização.
Mas primeiro precisamos entender como a percepção de mérito de um funcionário é formada a partir dos processos de avaliação, e como com o passar do tempo, isso se traduz em aprendizado e hábitos comportamentais na organização.
Processos de avaliação, incentivos para comportamentos e aprendizado organizacional
Comumente em uma empresa, temos algum processo de avaliação, normalmente caracterizado por alguma periodicidade ( trimestral, semestral, anual ou plurianual ) que determina não apenas diversos aspectos da compensação total dos funcionários e da sua progressão de carreira, como também determina o tipo de comportamento e a definição de mérito que reforçamos culturalmente dentro da empresa, gerando um aprendizado organizacional que determina nuances relevantes da cultura da empresa.
No artigo “The Production of Merit: How Manager’s Understand and Apply Merit in the Workplace” os autores Emilio Costilla ( MIT ) e Aruna Ranganathan ( Stanford ) exploraram o processo de aprendizado e definição do que uma empresa entende como mérito de maneira implícita ou explicitamente a partir do seu processo de avaliação.
O que os autores encontraram durante a sua pesquisa1 é que quando um gestor está sendo avaliado, neste caso assumindo o papel de apenas mais um funcionário experimentando o processo de avaliação da empresa e sendo avaliado pelos seus chefes, ele está constantemente fazendo uma comparação entre a expectativa e a realidade dos resultados desta avaliação.
Após deliberado o resultado da avaliação, sendo positivo ou negativo, ele se coloca em um estado reflexivo, processando a informação recebida e refinando o seu entendimento do que foi considerado ou não como tendo mérito naquela avaliação.
O resultado desta reflexão informa o seu comportamento para as próximas avaliações, normalmente com o intuito de maximizar o seu resultado no próximo ciclo, e também exerce influência sobre o seu processo pessoal de entendimento do que é mérito dentro daquela cultura.
Essa internalização do conteúdo da avaliação, os indicadores utilizados na avaliação e a unidade de avaliação que foi utilizada, ajuda o agora gestor quando ele estiver executando o processo de avaliação dos seus subordinados, cascateando o entendimento do que é considerado mérito ou não, gerando um impacto penetrante na cultura e no comportamento das pessoas dentro desta organização. O diagrama abaixo exemplifica esse processo.
fonte: Manager’s prior work evaluation can affect diversity factors, Meredith Somers MIT Sloan
Esse assunto é pertinente para a nossa conversa sobre incentivos e comportamentos pois uma parte do comportamento é guiado pelo que as pessoas dentro da empresa são medidos por, e também pelo que é sinalizado como resultado e comportamento de sucesso ou insucesso naquela cultura.
Com o tempo, a execução deste ciclo vai gerando um aprendizado organizacional onde se entende de maneira tácita o que é ou não valorizado dentro da empresa, habilitando que ele seja perpetuado ditando efetivamente “o jeito como as coisas são feitas aqui”.
No entanto, nem todo combinado de metas e objetivos para incentivar comportamentos consegue ser passível de uma analise puramente quantitativa. Se por um lado quando falamos de metas de vendas conseguimos medir o progresso e o atingimento ou não da mesma, quando falamos que um funcionário precisa ter cuidado e atenção ao cliente, ou uma postura de dono no ambiente de trabalho, normalmente é extremamente difícil quantificar esse impacto, além de se tratar muitas vezes de algo subjetivo e ambíguo.
Contratos relacionais e a natureza subjetiva e ambígua dos incentivos e metas em empresas
Diferentemente de contratos formais que podem ser em última instância julgados em uma corte de justiça e que possuem aspectos quantitativos e objetivos claros em relação ao seu mérito, os chamados contratos relacionais são contratos que sustentam a colaboração entre os agentes envolvidos para atingir objetivos que muitas vezes são ambíguos, que se apoiam em aspectos subjetivos e que talvez não permitam uma especificação completa da sua consistência antes de executá-los por se tratar de algo desconhecido ou incerto.
Tudo isso é feito sob a premissa de que esses agentes buscarão alcançar os seus objetivos e metas estabelecidos e farão uma avaliação justa apesar da ambiguidade e subjetividade dos resultados alcançados.
Para ilustrar o ponto, considere os três exemplos abaixo:
“First, Lincoln Electric’s enduring success rests in part on the payment of bonuses that both managers and employees consider to be ‘fair,’ but no manual can define exactly what constitutes a fair bonus for a particular worker in a particular year.
Second, beyond compensation, the Toyota production system asks line workers to become ‘active problem solvers’ but cannot define in advance exactly which problems they might find or how they should be solved. Third, beyond manufacturing, Merck asks its researchers to behave ‘almost as if’ they were academics, but what this means in terms of actual behaviors had to be worked out over many years and is still difficult to communicate today.
Because these managerial practices—each of which is fundamental to the success of these three firms—involve actions that cannot be specified in advance, it is typically impossible to motivate their performance via formal contracts (i.e., contracts that attach objective weights to objective measures). Instead, if it is necessary to provide motivation for parties to take these actions, it will have to be done through informal agreements that involve subjective weights or subjective measures.”
fonte: Relational contracts and organizational capabilities, Robert Gibbons e Rebecca Henderson
Apesar de contra-intuitivo, contratos relacionais tendem a ser a norma em diversas empresas e contribuem para a geração de resultados positivos onde aplicados corretamente.
Essa certa informalidade na relação com os incentivos ajuda a dar espaço para ambiguidades que podem ser úteis em um contexto organizacional onde em alguns casos é extremamente difícil definir de maneira objetiva todas as componentes envolvidas em, por exemplo, agir ativamente como problem-solver na Toyota ou ainda atuar quase como se estivesse em um contexto acadêmico como é o caso da Merck.
Para que contratos relacionais funcionem é necessário que exista um pano de fundo de confiança entre as partes, onde tanto o chefe quanto o empregado assumem que os compromissos ( por mais ambíguos que sejam ) serão honrados, e que uma quebra de confiança ( ou traição ) não será engendrada na hora da avaliação e execução do objetivo.
Na grande maioria dos casos onde existe um contrato relacional existe também um equilíbrio que tende para o retorno positivo ( que pode ser monetário ou não ) se ambos cooperarem para garantir que um resultado justo seja atingido após uma avaliação do que foi comprometido.
fonte: Relational contracts and organizational capabilities, Robert Gibbons e Rebecca Henderson
Se por um lado, uma das partes ( o chefe ) pode aplicar sanções ou punições a outra parte ( o empregado ) se ele não cooperar, por outro lado a outra parte pode desertar ou desistir do combinado, gerando efeitos também graves a primeira parte.
Esta relação tênue desestimula um comportamento destrutivo, e deveria servir de pano de fundo para um comportamento construtivo nesta relação.
O problema da credibilidade e clareza em contratos relacionais
Contratos relacionais em sistemas sociais dependem de duas variáveis essenciais: credibilidade e clareza. Credibilidade é relacionado com a capacidade de persuadir outros de que se é capaz de cumprir ( ou que provavelmente irá ) as promessas combinadas.
Já o tema da clareza por sua vez é focado na capacidade de comunicar os termos do contrato relacional que está sendo proposto. O problema da clareza atende a pergunta se ambos entendem as promessas que estão sendo feitas de maneira clara e compartilhada entre as partes, em vez de perguntar se ambos acreditam que as promessas que estão sendo feitas serão mantidas.
“Lincoln’s workers may earn high payoffs from working hard because bonuses can approach half of total compensation, but because payment of the bonus is discretionary, Lincoln’s management can in principle defect by paying too small a bonus or none at all. (…) Lincoln’s relational contract rests on a number of shared understandings that may well be difficult to imitate. For example, the size of the bonus is contingent not only on the productivity of an employee but also on the employee’s ‘dependability,’ the ‘quality’ of his or her work, and the degree to which he or she contributed new ideas and ‘cooperated’ in the improvement of the production process—none of which is easy to define or measure.”
fonte: Relational contracts and organizational capabilities, Robert Gibbons e Rebecca Henderson
Um outro exemplo de credibilidade e clareza, desta vez na Toyota e o Toyota Production System:
“As one example, a key discretionary behavior (by both workers and supervisors) involves the ‘andon cord’ (a rope on the assembly line that, when pulled by a worker, sends an alert to supervisors that there may be a problem on the line). If the supervisor fails to resolve the potential problem, then pulling the andon cord may result in stopping the line—an enormously disruptive event in many continuous-flow production systems.
Building an effective relational contract around the use of the andon cord—and around participation in problem solving more broadly—requires not only solving the credibility problem but also developing a shared understanding of a host of subjective ideas.
For example, both employees and managers must develop a shared understanding of questions such as which types of problems are worth pulling the cord for and how supervisors should respond in those cases in which the cord has been pulled inappropriately. They must also learn at what point, if any, will supervisors penalize workers (financially or socially) for mistakes in pulling the cord and what kinds of rewards are appropriate when the cord has been used well.”
fonte: Relational contracts and organizational capabilities, Robert Gibbons e Rebecca Henderson
Empresas no geral possuem uma abundância de contratos relacionais, que embora tenham aspectos subjetivos e dependam de credibilidade entre as partes e clareza na forma de um entendimento compartilhado da natureza desse acordo, ainda sim constituem uma ferramenta muito útil para criar incentivos ( mesmo que ambíguos ) e estimular comportamento dentro de uma corporação.
Contratos relacionais por sua vez estão intimamente ligados ao processo de avaliação e aos incentivos e comportamentos estimulados como resultado deste ciclo.
Algo similar pode ser evidenciado em processos de avaliação que possuam uma curva forçada, tentando continuamente elevar a performance para um patamar superior ao da avaliação anterior, servindo como um incentivo para estimular o comportamento esperado dentro da empresa
Curva forçada como incentivo para comportamento e aumento de performance
fonte: Punishing by Rewards: When the Performance Bell-Curve Stops working For You, Vaishnav, Khakifirooz, Devos
Em algumas culturas existe um entendimento de que uma pressão gerada no processo de avaliação - especialmente aquele que possui uma componente de curva forçada, aumenta o nível de performance, conforme o ciclo abaixo.
Quanto maior a pressão causada pelo resultado de uma avaliação negativa de um funcionário, maior seria, de acordo com esta lógica, a motivação do funcionário para melhorar a sua performance, o que geraria uma melhor avaliação no próximo ciclo, reduzindo a pressão e o equilibrando.
fonte: Punishing by Rewards: When the Performance Bell-Curve Stops working For You, Vaishnav, Khakifirooz, Devos
O problema é que muitas vezes uma pressão demasiada constantemente aplicada afeta negativamente a moral de uma pessoa, equipe ou área, especialmente se ela está atrelada a um processo que pode levar a sua demissão, ou ainda se existir algum senso de injustiça no resultado da avaliação.
O impacto negativo em sua motivação afeta negativamente a performance entregue, algo que obviamente causa um ciclo ruim de avaliação, aumentando mais ainda a pressão em uma espiral que provavelmente vai terminar com uma demissão - só não sabemos ainda de quem.
fonte: Punishing by Rewards: When the Performance Bell-Curve Stops working For You, Vaishnav, Khakifirooz, Devos
Atos de extrema visibilidade, como o de salvar um projeto com problema atuando como um herói entrando em última hora, podem ser mais percebidos e terem mais visibilidade do que atos preventivos de problemas que geram menos barulho e ganham menos visibilidade na organização ( working harder versus working smarter ).
É comum vermos uma diferenciação entre a performance e atuação que gera o resultado que a empresa precisa versus a performance e atuação que é visível para os líderes e gestores, e que é considerada positiva no processo de avaliação.
Se esta dissonância levar a uma avaliação ruim de um funcionário que se considera com alta ou boa performance, ou que é percebido como tal pelo grupo, aos poucos o capital social das pessoas envolvidas no processo ( definido por aspectos como zelo para ajudar o outro, ou estimulo ao trabalho em equipe ) vai erodindo, levando a um comportamento menos focado no grupo, e cada vez mais focado apenas no seu resultado individual, impactando a colaboração dentro da empresa e em última instância a sua performance no geral.
Como já exploramos em um artigo anterior, o processo de avaliação e seleção de quem e quais comportamentos são considerados dignos de mérito dentro de uma empresa assim como quais não o são é determinante para a imagem e percepção da cultura e do que é valorizado pelo grupo:
“(…) Eventually it gets embedded in deeper structures, including incentives and corporate culture. As organizations grow more dependent on firefighting and working harder to solve problems caused by low process capability, they reward and promote those who, through heroic efforts, manage to save troubled projects or keep the line running. Consequently, most organizations reward last-minute problem solving over the learning, training, and improvement activities that prevent such crises in the first place. As an engineer at an auto company told us, “Nobody ever gets credit for fixing problems that never happened.”. Over time, senior management will increasingly consist of these war heroes, who are likely to groom and favor other can-do people like themselves.
(…)
Thus incentives and culture not only reinforce the tendency toward short-run thinking and working harder, but also are themselves shaped by that very short-term focus and work-harder mentality, creating another reinforcing feedback that intensifies the capability trap.”
Fonte: Nobody ever gets credit for fixing problems that never happened, Nelson P. Reppening, John Sterman
No próximo e último artigo da série vamos explorar como modelos mentais influenciam toda a perspectiva envolvida na visão de mundo e tomada de decisão frente a problemas complexos: a forma como achamos que o mundo funciona, influencia em muito a forma como agimos e incentivos os outros a agirem dentro dele.
Apesar do artigo ter um enfoque grande no tema de diversidade e inclusão, a dinâmica descrita no artigo é aplicável a contextos mais genéricos como o que estamos discutindo