O objetivo deste artigo é tentar acomodar as visões de mundo sobre business strategy, como explorado nos artigos anteriores e o que é chamado de product strategy na forma como é discutido hoje na área de gestão de produtos. 1
Se business strategy é a criação de uma posição única e valorosa que tenha encaixe com as atividades internas executadas e que sejam sustentadas pelo compromisso e trade-offs em relação aquela posição escolhida, então poderíamos dizer que a estratégia de produto deve ( em última instância ) estar contida e ser aderente a estratégia do negócio.
Sendo essa afirmação verdadeira, o produto ou serviço oferecido deve ter sua definição estratégica sendo construída a partir da estratégia do negócio e influenciando e sendo influenciada por ela continuamente.
Por tanto, qualquer discussão sobre a estratégia de um produto ou serviço deve partir de um entendimento contextualizado de onde e como a empresa decide jogar o jogo dentro do ambiente onde ela está inserida.
What is (product) strategy?
Segundo Marty Cagan e o seu time no Silicon Vally Product Group, estratégia pode ser definida da seguinte forma:
“Whatever the goal is, your strategy is how you’re planning to go about accomplishing that goal. Strategy doesn’t cover the details; those are the tactics we’ll use to achieve the goal. Strategy is the overall approach, and the rationale for that approach.
While there’s many forms of strategy, what I care about here is product strategy. Which in short means: how do we make the product vision a reality, while meeting the needs of the company as we go?”
fonte: Product Strategy - Overview, Marty Cagan - SVPG
Ou seja, a discussão começa assumindo uma etapa implícita2 onde a estratégia do negócio já existe e é definida. Por essa perspectiva o papel do product manager é o de conceber e descrever ( junto com o seu time e stakeholders ) uma visão de futuro para aquele produto que estamos tentando criar que seja consistente com o posicionamento estratégico de negócios da empresa.
O processo de “visioning” por essa perspectiva precisa acontecer para que então uma nova camada apareça, a camada da estratégia do produto, ou seja, como vamos decidir quais problemas vamos resolver.
Acima: Justin Rosenstein, co-fundador do software de produtividade Asana descrevendo a sua visão de futuro para o produto ( e negócio ).
Uma vez concebida e descrita essa imagem, precisamos designar a resolução dos problemas e desafios inerentes desta visão para equipes de produto que executarão técnicas de descoberta que culminarão em entregas daquele produto, que por fim gerarão resultado e impacto para os seus usuários, clientes e a empresa.
fonte: Empowered - Ordinary people, extraordinary products, Marty Cagan
Foco, insights, ação e gestão
Na sua série de artigos sobre product strategy alguns conceitos importante são definidos:
“In terms of product teams, the product vision describes where we ultimately want to go; the product strategy helps us decide what problems to solve in order to get to our vision; product discovery helps us figure out the tactics that can actually solve the problems; and product delivery builds that solution so we can bring it to market.
Product strategy breaks down into four steps:
The first is to be willing to make tough choices on what’s really important;
The second involves generating, identifying and leveraging insights;
The third involves converting insights into action;
And the fourth involves active management without resorting to micro-management.
None of these steps are easy, but all are essential.”
fonte: Vision vs. Strategy, Marty Cagan SVPG
O primeiro argumento é sobre foco e talvez seja o mais essencial e congruente com o que discutimos anteriormente: uma estratégia só existe a partir dos seus trade-offs, ou seja, é também sobre o que vamos/não vamos fazer e sobre onde vamos/não vamos jogar o jogo.
O segundo envolve insights a partir de uma fase analítica do contexto observando dados, conversando com os seus clientes, usuários, funcionários e outros participantes do ecossistema, fazendo análises da indústria, avaliando e entendendo possibilidades a partir da tecnologia ou ainda obtendo aprendizado compartilhado de outras partes da empresa, seus competidores ou de indústrias distintas da sua. Sejam eles qualitativos ou quantitativos, a essência dessa etapa é o modelo mental analítico e contextual do desafio em mãos.
O terceiro argumento envolve transformar os insights e aprendizados em ações que consigam gerar o resultado esperado. Aqui o foco é em dar espaço ( e restrições ) para a equipe trabalhar em cima dos objetivos e avaliar o impacto das suas ações nos principais resultados e indicadores perseguidos.
Por último, o argumento é relacionado a gestão ( ou talvez até disciplina ) em ativamente gerenciar os diversos obstáculos e ambiguidades que aparecem durante o processo de transformar a estratégia do produto em realidade e se adaptar aos feedbacks experimentados.
O pilha conceitual de estratégia de produtos
Uma perspectiva similar sobre o que é product strategy vem da Reforge e é descrita pela pilha abaixo.
Por essa visão, existem dois grandes blocos que são bastante exauridos: os objetivos de uma empresa e como fazer entrega de produtos, no entanto existe um “meio” que é pouco explorado: o campo da estratégia de produto, que conecta esses dois pontos. Por essa perspectiva, estratégia de produto é o plano para como o produto vai guiar/gerar a sua parte dentro da estratégia da empresa.
fonte: The Product Strategy Stack, Reforge
Ou seja, a missão descreve a mudança que a empresa quer trazer para o mundo, a estratégia da empresa é o plano para trazer essa missão a vida. A estratégia do produto é o plano para como o produto vai guiar/gerar a sua parte dentro desta estratégia, o roadmap é a sequencia de funcionalidades que implementam esta estratégia do produto e por último os objetivos do produto são os resultados esperados ao executar aquele roadmap.
Por último, vale a pena explorar o modelo DHM difundido pelo Gibson Biddle depois da sua atuação como VP de produto na Netflix e CPO na Chegg. O modelo se restringe a responder objetivamente três perguntas
Como vamos encantar o cliente?
Como vamos fazer o nosso produto ser difícil de copiar?
Quais experimentos de modelo de negócios podemos explorar para tornar o produto mais rentável?
As relações com algumas das definições do que é estratégia de negócio aqui também são visíveis. Por exemplo, uma posição única e valorosa com certeza emerge a partir da capacidade de encantar ( atrair e reter ) clientes. Além disso, uma posição estrategicamente defensável emerge a partir do encaixe entre as atividades distintas performadas e o posicionamento, tornando-a difícil de ser copiada. Por último, um foco econômico em rentabilidade e na viabilidade econômica da posição estratégica escolhida é uma condição essencial para uma estratégia de sucesso.
Sobre o segundo tema, Gibson apresenta algumas características3 de um produto que o tornam dificilmente replicável: marca, efeitos de rede, economia de escala, posicionamentos oportunos a partir da posição da competição, tecnologia única e distinta, switching costs, processos e ferramentas, aquisição de recursos ( escassos ou distintos ).
Todos os exemplos acima descrevem de uma maneira geral o que é compreendido hoje como estratégia de produtos.
Growth strategy
Um outro campo bastante amplo e que é inundado pelo termo estratégia é o da estratégia de crescimento. A genesis desse foco em produtos e serviços digitais provavelmente se dá por conta de diversas dinâmicas que habilitam a rápida expansão e crescimento de produtos digitais, além do fenômeno de venture capital que estimula esse padrão de comportamento.
Andrew Chen talvez personifique e exemplifique esse tipo de estratégia na sua concepção atual em seu livro e não é a toa que a Reforge se tornou um centro de excelência na formação de product managers neste tipo de prática:
Acima: uma descrição genérica de um ciclo ( ou loop, ou flywheel - odeio esse nome ) de crescimento que se retroalimenta ( feedback ). Na segunda imagem temos um exemplo de como a ferramenta de produtividade Slack alimenta o seu ciclo de crescimento. Fonte: The real definition of growth marketing / Growth loops are the new funnel, Reforge Blog4
Talvez aqui a abordagem chamada de Product-led Growth também tenha espaço, definindo a estratégia de aquisição, retenção e expansão pelas funcionalidades e usos do produto.
fonte: Product Led Growth Strategy Playbook, por Mickey Alon
Mas de qualquer jeito, a conexão com o que é estratégia de produto neste contexto é mais amplo, pois ela conversa apenas com a forma como vamos fazer com que o nosso produto saia do ponto A e chegue no B, ponto A definido pelo tamanho atual ( em qualquer métrica que julgarmos relevante ) e ponto B definido como um tamanho maior do que o atual em que nos encontramos no ponto A.
Conectando as duas dimensões
Se business strategy é a criação de uma posição única e valorosa que tenha encaixe com as atividades internas executadas e que sejam sustentadas pelo compromisso e trade-offs em relação aquela posição escolhida, então poderíamos tentar acomodar a visão de estratégia de produto dentro desses três pilares:
Criação de uma posição única e valorosa: Onde o seu produto se posiciona dentro do ambiente em que ele ( e a sua empresa ) está inserido? Qual a sua diferenciação em relação aos competidores? Diversos produtos e serviços digitais encontram uma posição estratégica em uma indústria tradicional, simplesmente por ocupar e executar digitalmente algo que antes era ocupado e executado em um paradigma inerentemente analógico. Por exemplo: taxis versus Uber, hotéis versus AirBnb, grandes instituições financeiras versus fintech’s.
Estratégia requer trade-offs, ou seja, escolher o que não vai ser feito: Talvez esse seja o conceito mais amplamente difundido entre as diferentes visões sobre o que é estratégia de produto de forma contemporânea. O conceito usado aqui é o de foco, ou seja, tornar o ponto mais importante no centro das atividades performadas. O desafio talvez seja manter-se em curso e "double down” conforme o crescimento acelerado acontece ( dando visibilidade a muitas oportunidades diferentes ) ou satura ( colocando pressão para explorarmos novas fontes de crescimento e receita ).
Estratégia requer um encaixe (fit) entre as atividades da empresa e o seu posicionamento estratégico: Talvez aqui tenhamos muita oportunidade para evoluir a concepção atual sobre estratégia de produto. Muito se fala sobre o produto e pouquíssimo se fala sobre como ele se conecta com outras partes da empresa. Um posicionamento estratégico só é mantido através do encaixe entre a posição e as atividades internas da empresa, por tanto, uma estratégia de produto que ignora outras atividades de uma empresa ( por exemplo, o posicionamento de marca, que tipo de clientes serve, como é o processo de venda, relação com fornecedores e outros agentes no ecossistema em que está inserida, sua operação, atendimento ao cliente, aspectos financeiros e tantos outros ) é uma estratégia incoerente, inevitavelmente falha e incapaz de gerar diferencial.
De certa maneira assume-se uma perspectiva bastante limitada onde a estratégia de produto é central como se praticamente existisse no vácuo em relação as outras atividades da empresa. Precisamos entender que em muitos casos o produto não é o centro de uma empresa, mas sim uma parte que se integra a diversas outras.
No próximo artigo da série vamos explorar o posicionamento de algumas empresas contemporâneas e como analisar a sua estratégia a partir dos pontos explorados neste e nos últimos artigos.
Obviamente esse artigo não vai ser exaustivo e ainda existem muitas áreas a serem exploradas principalmente quando falamos sobre a produtos e serviços digitais e novos paradigmas para o pensamento estratégico.
Talvez a falta de foco e discussão sobre o contexto mais amplo de business strategy dessa visão de mundo seja calcada em produtos e serviços que em sua essência são a empresa e por consequência os dois conceitos tendem a se misturar ou se confundir.
Empresas como Twitter, Box, Snap talvez sejam exemplos onde a fronteira entre business strategy e product strategy seja tênue, no entanto, ainda sim existentes e reais.
Qualquer pessoa trabalhando em um produto ou serviço real compreende que é inegável que existem diversos outros aspectos para além da estratégia do produto que invariavelmente compõem o que chamamos de estratégia do negócio nos outros artigos, embora em artigos como a serie sobre coaching de product managers sobre strategic context a conexão entre a missão da empresa, os indicadores que são acompanhados por ela e os objetivos da empresa sejam conciliados com a visão e estratégia do produto.
Logo, pode ser arriscado a aplicação atual do conceito de product strategy como o descrito acima, correndo o risco de não ignorar o encaixe entre todas as atividades e o posicionamento estratégico da empresa.
Essas características foram concebida por Hamilton Hemer em seu livro 7 Powers
É interessante percebermos também que aqui o tema crescimento é visto diversas vezes como ciclos de feedback que habilitam dinâmicas de crescimento ou decrescimento, uma característica que é inerente ao estudo de sistemas dinâmicos e complexos