Domínios e novas formas de pensar o posicionamento estratégico
No último artigo falamos um pouco sobre novas formas de pensar o posicionamento estratégico que sejam mais aderentes ao mundo contemporâneo e que principalmente sejam mais conscientes da digitalização que estamos vivendo nas últimas décadas, onde tecnologia não é mais uma “supporting function” mas sim um cenário onde o negócio é tecnologia e tecnologia é o negócio.
Dito isso, eu gostaria de aprofundar mais em dois aspectos específicos: o conceito de domínios vs. indústrias, e como podemos olhar por ângulos diferentes business que possuam relação direta com o consumidor vs. business que sejam mais calcados em prover a plataforma para que outros tenham a relação direta com o consumidor.
Domínios e competindo em indústrias sem bordas
O conceito de domínios explorado anteriormente é descrito de forma clara pelo estudo da MIT CISR, assim como também nesse artigo. Em ambos o lema é: a digitalização está causando uma reordenação radical das fronteiras das indústrias tradicionais. Pensar apenas em termos de indústria não é mais compatível com a forma como o cliente/usuário enxerga a sua relação com diversos produtos e serviços.
O gráfico acima exemplifica alguns possíveis domínios e ecossistemas B2C e B2B
Se analisarmos de perto o domínio de necessidades domésticas por exemplo, veremos que ele engloba desde a compra e manutenção de produtos linha branca, serviços de conserto em casa ( consertos hidráulicos, limpeza de sofas, manutenções gerais ), alugar/vender uma casa ou obter uma hipoteca/financiamento para a mesma, seguro residencial, consumo ( e pagamento ) de serviços utilitários diversos ( água, luz, internet ), entretenimento em geral, alimentação ( desde compra, armazenamento, preparo, consumo e descarte ), bem estar/sono/descanso/conforto, e muitos outros.
O gráfico abaixo exemplifica mais aspectos do domínio de habitação/necessidades domésticas, mais amplo ainda do que as citadas acima. Ele também explora um pouco o domínio de serviços B2B e a quebra por indústrias que são englobadas por esse para exemplificar a conexão entre indústrias e domínios.
O pensamento estratégico a partir de indústrias se conecta com a abordagem baseada em domínios, principalmente quando falamos sobre o tema de substituição e a necessidade de ampliar a definição da indústria para encontrar os produtos/serviços substitutos. Ainda no livro Competitive Advantage, Michael Porter identifica algumas abstrações pertinentes, por exemplo:
“The first step in substitution analysis is to identify the substitutes an industry faces. This seemingly straightforward task is often not easy in practice. Identifying substitutes requires searching for products or services that perform the same generic function or functions as an industry’s product, rather than products that have the same form.
A truck differs greatly from a train, but they both perform the same generic function for the buyer - point-to-point freight transportation. The function a product performs depends on its role in the buyer’s value chain.”
Competitive Advantage, pg. 274. Michael Porter
Ao pensar de forma mais abrangente, não em termos da sua indústria mas sim a partir da função que um produto ou serviço executa para a cadeia de valor do comprador, podemos ver alguns aspectos similares ao pensamento de fora para dentro que se assemelham ao pensamento por domínio.
Em termos práticos podemos agrupar os domínios em tipos relacionados a Business-to-Consumer ou Business-to-Business. Esse primeiro corte ajuda a segmentarmos os domínios de uma forma mais efetiva.
Se aproveitarmos o conceito de produtos e serviços que tenham relação direta com o consumidor e produtos e serviços que sejam enablers/plataformas/infraestrutura do artigo anterior podemos focar em dois dos quadrantes abaixo: onde um produto/serviço oferecido é dono da relação direta com o consumidor ao atender algum domínio B2C dos consumidores, ou onde o produto/serviço habilita empresas a terem a relação direta com o consumidor ao absorver algum aspecto importante de domínios B2B.
Por exemplo, o varejo da Amazon atende diversas necessidades da experiência do consumidor ( por exemplo, recreação e cultura ao vender livros, ou aspectos da habitação do consumidor ao vender e entregar itens para a manutenção da vida doméstica ), nesse posicionamento a Amazon é quem possui a relação direta com o mesmo.
Por outro lado temos Amazon Fulfillment (infraestrutura logística e de entrega - you sell it, we ship it) ou até mesmo a AWS (infraestrutura de computação), que servem como plataformas / enablers para que empresas consigam atender aos seus clientes. Estes produtos e serviços se posicionam de forma a não serem consumer facing na grande maioria das suas interações, porém permitem que empresas que o usem sejam.
Se pensarmos de forma mais ampla, o quadrante Plataforma/Enablers pra domínios B2B é bastante populoso, por exemplo, empresas como Shopify ( infraestrutura para ecommerce ), Stripe ( infraestrutura para serviços financeiros ), Twilio ( infraestrutura para comunicação ) se posicionam em oposição a empresas como Amazon ( varejo ), Bank of America ( serviços financeiros ), Zoom ( comunicação ), capturando a oportunidade de serem empresas que habilitam outras empresas a entregar valor.
Uma análise como essa quando aplicada a sua empresa e aos seus consumidores ( e seus domínios ) pode gerar alguns insights interessantes sobre oportunidades e ameaças para o seu posicionamento.