Hiper crescimento em produtos e serviços digitais e os limites para o sucesso - parte 7
Limites para o crescimento e ciclos de boom and bust
“Growth cannot happen without a continuous supply of energy and resources. You eat, you metabolize, you transport metabolic energy through networks to your cells, where some is allocated to repair and maintenance of existing cells, some to replace those that have died, and some to create new ones that add to your overall biomass.”
Durante os últimos artigos exploramos as causas e os efeitos de um crescimento acelerado em empresas de tecnologia, algo que foi muito característico do contexto da última década.
No primeiro artigo exploramos a natureza do crescimento acelerado e a sua relação com motores de crescimento após a empresa encontrar product/market fit, e como o gap entre a capacidade para servir e o aumento acelerado da demanda está na raiz do desafio do crescimento acelerado.
No segundo artigo exploramos o crescimento acelerado usando como exemplo uma empresa de varejo e utilizamos a Lei de Little para estabelecer o leadtime de entrega a partir da sua capacidade logística e o total de pedidos a serem entregue. Essa relação entre leadtime, WIP e throughput mostra que o leadtime cresce aceleradamente se a empresa não conseguir expandir a sua capacidade de entrega na velocidade adequada.
No terceiro artigo da série exploramos como a capacidade tecnológica de uma empresa em crescimento acelerado pode ser o gargalo para a captura de todo o potencial disponível.
Vimos também como a dívida técnica, principalmente aquela que é contraída sem intenção, pode ser fatal, colocando a empresa em um ciclo vicioso aumentando continuamente o gap de performance esperada.
No quarto artigo da série exploramos a Lei de Metcalfe e a relação com o crescimento de headcount e o aumento da densidade de conexões entre os membros da empresa, inevitavelmente diminuindo a velocidade da tomada de decisão e efetivamente congestionando a empresa. O resultado muitas vezes acaba implicando em mais processos e camadas de gestão para se manter a eficiência.
No quinto artigo da série, após um pequeno “de tour”, falamos sobre os ciclos de investimento, injetando capital no motor de crescimento da empresa para sustentar o seu crescimento acelerado e como isso tudo é sujeito a um cenário macro e micro econômico que seja atrativo para esse tipo de investimento
E por último, neste artigo, vamos tentar modelar todas essas partes interagindo de maneira interdependente e acontecendo concomitantemente, algo que simula a realidade enfrentada por empresas em crescimento acelerado.
Mas antes vamos explorar um pouco mais a natureza da construção/expansão de uma capacidade para suportar o crescimento e avaliar o motivo dos diversos atrasos para que decisões essenciais sejam tomadas para habilitar o crescimento.
Construção e expansão de capacidades para suportar o crescimento
O diagrama abaixo descreve de maneira genérica a relação entre um motor de crescimento, a capacidade disponível para atender a demanda e o gap com a capacidade da necessária para atendê-la.
Além disso, ele exemplifica a percepção dos gestores ao realizar que é necessário expandir a capacidade, começando o investimento na construção e evolução das capacidades para aumentá-las e então fechar o gap.
Essa dinâmica e o atraso entre a percepção da necessidade de aumento de capacidade e a capacidade em si estar efetivamente aumentada é um dos principais fatores que limitam empresas em um cenário de crescimento acelerado.
O jogo aqui, como explicado nos artigos anteriores, é o quão rápido se percebe e se expande a capacidade para atender a demanda do curto/médio prazo, de maneira satisfatória para a expectativa de retorno sobre o capital investido e as necessidades do usuário/cliente.
Por exemplo, usando o modelo conceitual de um dos artigos anteriores para modelar a dinâmica de um e-commerce em crescimento acelerado, podemos incrementá-lo para simular os impactos entre o aumento de demanda e a expansão da capacidade de servir para suportar o crescimento.
Na modelagem abaixo, atrelamos a percepção dos líderes e gestores de que é necessário se expandir a capacidade atual ao leadtime médio de entrega.
Ou seja, conforme o leadtime médio de entrega aumenta, maior é a percepção dos gestores sobre a necessidade de expandir a capacidade para servir, o que estimula os ciclos de investimento em iniciativas que permitam a expansão dessa capacidade, que depois de um tempo tornam-se operantes e diminuem finalmente o leadtime.
Repare que existe também uma relação direta entre o leadtime médio de entrega e a satisfação do cliente, onde um impacta o outro negativamente, ou seja, quanto menor o leadtime médio de entrega maior é a satisfação do cliente no geral, assim como quanto maior o leadtime médio de entrega menor é a satisfação do cliente.
Esse ciclo impacta por sua vez o fluxo de novos pedidos, ou seja, quanto mais satisfeito os clientes, mais propensos eles são a fazerem novos pedidos, assim como quanto menos satisfeitos os clientes, menos propensos eles estarão para fazerem novos pedidos.
O “problema” acontece quando, em uma dinâmica clássica de sistemas complexos, todas essas variáveis são afetadas simultaneamente, por exemplo: Conforme a empresa vai alcançando sucesso e atendendo bem os seus clientes e crescendo a sua base de usuários e receita, vemos um aumento de pressão na capacidade de produção e entrega de pedidos. Quando o volume de pedidos a serem entregues supera em muito a capacidade disponível, vemos um aumento do leadtime médio de entrega.
Embora demore algum tempo ( delay ) para a gestão perceber e decidir fazer investimento para expandir essa capacidade, o usuário sofre diariamente com o leadtime de entrega alto e aumentando conforme mais pedidos entram no sistema.
O efeito dessas duas forças ( a demora para a gestão perceber, decidir, investir e ter a expansão na capacidade, e a insatisfação do usuário conforme o leadtime dos pedidos aumenta e ele não recebe o que comprou ) ocorrendo simultaneamente faz com que enquanto a gestão esteja aumentando a capacidade de servir, a demanda diminua a sua intensidade de uso deste serviço.
O resultado dessa defasagem é especialmente perigoso: a empresa se encontra em um ponto onde a sua capacidade é expandida e no entanto com a queda na demanda, ela também encontra parte da sua capacidade ociosa ( over capacity ) pois a demanda foi retraída devido a baixa qualidade do serviço oferecido.
Acima: Resultado de uma simulação onde a satisfação do cliente varia em função do leadtime médio de entrega. Modelando que o cliente tem uma experiência boa se conseguirmos entregar o pedido em até 2 dias, e que toda vez que o leadtime médio oscila acima disso a satisfação do cliente cai ( impactando as vendas subsequentes ), vemos o comportamento do primeiro gráfico. No segundo gráfico vamos a relação entre leadtime médio e a capacidade instalada para entregar pedidos por dia, conforme o leadtime passa de um nível considerado aceitável pela gestão ( nesse caso modelado como 20% maior do que o leadtime aceitável pelo cliente ) existe o investimento para se expandir a capacidade, que depois de algum tempo impacta o leadtime médio ( e subsequentemente impacta positivamente a satisfação do cliente, aumentando as vendas ).
Em um cenário onde existe um descasamento como esse é de se esperar uma redução de gastos e da capacidade, algo que muito provavelmente vai ser traduzido em ondas de demissões, fechamento de centro logísticos e de distribuição, e redução de subsídios e gastos com aquisição/retenção de usuários.
Unit economics e o desafio de escala
Similar a dinâmica descrita acima, também devemos explorar uma dinâmica bastante comum na última década, onde a empresa em crescimento acelerado subsidia parte do preço final do seu produto ou serviço para aumentar a atratividade do mesmo e catalizar o seu crescimento, por exemplo, uma empresa de streaming de filmes que cresceu sua base subsidiando o preço para o consumidor.
No entanto, esse crescimento vem as custas da margem operacional da empresa e depende fortemente de um fluxo contínuo e abundante de capital disponível para a empresa “queimar” nessa estratégia agressiva de aquisição de clientes.
A tese é que uma vez fidelizado o cliente e a competição direta tenha ficado para trás, pode-se gradualmente ir removendo o subsídio e incrementando o preço final para o consumidor sem afetar drasticamente a retenção da sua base de usuários.
Assim como na modelagem anterior, o desafio deste cenário fica por conta da interdependência e a concomitância dessas partes em movimento, por exemplo: É muito comum que durante o momento de preço subsidiado, que a base de usuário naturalmente aumente, e com isso cresça também a necessidade de mais pessoas para performar atividades dentro da empresa, desde o atendimento ao cliente, tecnologia, logística, vendas, produção e outros.
Tudo isso implica em aumentar o recrutamento de novos funcionários, aumentando o custo operacional da empresa.
O desafio acontece quando a empresa precisa fazer a virada para focar em rentabilidade versus crescimento, e com isso não é incomum encontrarmos quadros inchados de funcionários com pouca atenção a produtividade ou performance em geral.
Isso tudo normalmente acontece enquanto estamos aumentando gradualmente o preço final para o cliente ao remover os subsídios para aumentar a rentabilidade, algo que naturalmente diminui a receita da empresa.
Tudo isso conduz a empresa para um potencial cenário onde a base de usuários diminui, assim como a receita e com isso exista uma pressão maior para a busca por rentabilidade, o que pode levar, por exemplo, ao desligamento de funcionários para acomodar a geração de valor de forma sustentável. Parece familiar?
O modelo acima tenta descrever um pouco essa dinâmica complexa e as relações entre fluxo de capital e geração de caixa da empresa a partir da sua receita, caixa este que é diminuído pelos seus gastos incorridos ( ex.: custo de aquisição, custo para servir, payroll costs ). Essa parte do modelo se conecta ao average revenue per user ( ARPU ), o total de usuários endereçáveis e o total de usuários ativos.
Por último sabemos que quanto maior a quantidade de usuários a serem atendidos, maior é a pressão de novas atividades que precisam ser executadas e muitas vezes isso implica em recrutamento e aumento de headcount, que por sua vez impacta o custo de folha de funcionários da empresa, impactando a primeira parte descrita pelo modelo.
Conforme falamos no artigo anterior a dinâmica de se garantir uma relação econômica saudável para uma unidade do seu produto/serviço é essencial e vai determinar se economia de escopo ou de escala serão positivas ou negativas para o resultado da empresa.
Em suma, o que falamos nos dois modelos apresentados é o que acaba por muitas vezes em criar um ciclo de “boom and bust” e os desafios de se crescer muito rapidamente, onde um crescimento muito acelerado é seguido por um overshoot para além da capacidade sustentável de crescimento, e por sua vez, é seguida por uma queda ( bust ) nos indicadores essenciais da empresa.
Talvez o trecho abaixo do livro Limits to Growth descreva bem a situação dinâmica descrita acima:
“Imagine that you are driving a car and up ahead you see a stoplight turn red. Normally you can halt the car smoothly just before the light, because you have a fast, accurate visual signal telling you where the light is, because your brain respond rapidly to that signal, because your foot moves quickly as you decide to step on the brake, and because the car responds immediately to the brake in a fashion you understand from frequent practice.
If your side of the windshield were fogged up and you had to depend on a passenger to tell you where the stoplight was, the short delay in communication could cause you to shoot past the light (unless you slowed down to accommodate the delay). If the passenger lied, or if you denied what you heard, or if it took the brakes two minutes to have an effect, or if the road had become icy, so that it unexpectedly took the car several hundred meters to stop, you would overshoot the light.
A system cannot come into an accurate and orderly balance with its limits if its feedback signal is delayed or distorted, if that signal is ignored or denied, if there is error in adapting, or if the system can respond only after a delay. If any of these conditions pertain, the growing entity will correct itself too late and overshoot”
Dito tudo isso, parece ser uma tarefa praticamente impossível se escalar uma empresa em crescimento acelerado, dadas as diversas restrições que discutimos aqui nos últimos artigos.
No entanto, apesar de ser de fato extremamente difícil, existem casos de sucesso, onde em vez de lutar contra algumas leis da física, é possível se planejar e se adaptar para lidar melhor com elas…
Usando os limites para o sucesso como uma ferramenta de planejamento para o seu crescimento
O artigo Using limits to success as a planning tool do Daniel Kim descreve bem os passos necessários para lidar com um sistema com uma característica de crescimento acelerado e garantir que os limitadores do sucesso sejam superados para continuamente habilitar o crescimento. São eles:
identificar o motor de crescimento da iniciativa, ou seja, qual a dinâmica que catalisa o crescimento acelerado?
quantificar o doubling time, ou seja, determinar em quanto tempo esse sistema demora para dobrar de tamanho? Ou seja, quanto tempo em média o motor de crescimento da empresa demora para trazer o dobro de clientes, usuários ou vendas em relação ao tamanho atual? Esse tempo é constante? Ele está aumentando ou diminuindo? Ou ainda, tentar quantificar em quanto ocuparíamos mais de 70% da capacidade disponível de servir se continuarmos crescendo na velocidade atual?
compreendendo o motor de crescimento e o tempo que demoraremos para dobrar de tamanho, precisamos avaliar os possíveis futuros gargalos para o negócio e a operação quando alcançarmos esse novo patamar. O gargalo pode ter uma característica física ( exemplo: necessidade de novos escritórios, computadores, armazéns para os produtos físicos e estoque, ou ainda capacidade de logística de entrega ), ou trazer a necessidade de novos sistemas de informação, expertise ou mudança dos modelos mentais e atitudes para lidar com os desafios em mão.
avaliar o tempo que demora para construir/evoluir/expandir as capacidades atuais para atender a demanda futura prevista. Esse tempo é maior do que o tempo que vamos demorar para dobrar a demanda? Se sim, teremos problemas ao operar acima da capacidade instalada, se não, conseguimos otimizar o tempo em que começamos a expansão para minimizar a capacidade ociosa disponível até que a demanda chegue no nível antecipado?
implementar de maneira sistemática o plano de investimento nas capacidades e equilibrar o crescimento de acordo. Entendendo o tempo e os gargalos para o crescimento acelerado, o sistema pode ser operado para passar por esses pontos de transição da melhor maneira possível dadas as restrições existentes.
Parece simples e embora esteja longe de ser uma abordagem exaustiva, o que está descrito aqui é em sua essência um movimento de nos anteciparmos de maneira implacável aos limites do crescimento e trabalhar continuamente para remover esses gargalos e restrições limitadoras, algo que infelizmente muitas empresas não conseguem executar.
Com isso fechamos essa serie sobre empresas em crescimento acelerado e os seus desafios, limites e oportunidades para se gerar resultado de uma forma sustentável.