Hiper crescimento em produtos e serviços digitais e os limites para o sucesso - parte 2
Impacto no atendimento ao cliente e leadtime de entrega
No artigo anterior fizemos uma introdução sobre o tema de crescimento acelerado em empresas, produtos e serviços digitais e abordamos a relação entre aumento de demanda e a capacidade disponível para atender ao cliente de maneira adequada, assim como exploramos a forma pela qual o desequilíbrio entre ambos gera limites para os motores de crescimento.
Neste artigo vamos explorar os impactos no atendimento ao cliente em situações como a descrita no artigo anterior, assim como no leadtime para servir/entregar valor para os clientes.
Impacto do crescimento acelerado no atendimento ao cliente
Um dos primeiros sinais de que a capacidade disponível está aquém da demanda acontece nos pontos onde o cliente é atendido, muito provavelmente no pós-venda, mas em muitos casos chegando em pontos de contato no inicio da jornada do cliente com o produto ou serviço.
Com o aumento da demanda de um produto ou serviço em um cenário de crescimento acelerado, o risco que corremos é o de termos cada vez mais casos de atendimento com necessidades fora do usual, com dúvidas sobre algum aspecto do que é oferecido, reclamando de algum defeito ou insatisfações com o produto/serviço recebido e necessitando interagir com o atendimento da empresa para resolver algum desses temas.
Caso a capacidade disponível de atendimento ao cliente existente naquele ponto seja suficiente para atender a demanda, não teremos um problema, o sistema está operando dentro da sua capacidade e talvez dentro de uma margem saudável de qualidade de serviço, provavelmente o cliente terá um atendimento satisfatório para o seu problema.
No entanto, em um cenário de crescimento acelerado esse dificilmente será o caso, o resultado mais provável é um sistema que precisa constantemente expandir a sua capacidade de atendimento para suprir a crescente demanda, e por conta disso, temos potencialmente um sistema operando em seu limite ( ou acima ), o que provavelmente resulta em um sistema congestionado.
Um sistema cuja utilização está acima de 70%-80%1 da sua capacidade começa a apresentar tempos de espera que crescem exponencialmente conforme a sua capacidade é ocupada. Existe um ponto em que o congestionamento fica visível para o gestor, a partir desse momento é possível que seja tomada a decisão de expandir a capacidade disponível fazendo algum tipo de investimento.
O desafio aqui, assim como em outros lugares impactados pelo crescimento é o atraso (delay ou demora) entre a percepção de que precisamos expandir a capacidade atual fazendo investimentos até que essa capacidade esteja disponível e efetivamente operando e atendendo ao cliente.
No caso acima, estamos falando do tempo que demoramos para expandir as posições de atendimento, recrutar e treinar novos atendentes, gerenciar os processos necessários considerando esse crescimento da equipe, assim como de investimentos em melhorias, por exemplo: investimento em software para automação e melhoria do processo de atendimento, ou adição de novos atendentes, ou treinamento dos funcionários e processos de melhoria para elevar a qualidade do atendimento ou sanar as causas raízes dos problemas que geram a necessidade de atendimento.
Vale ressaltar o óbvio: um atendimento ruim com um alto tempo de espera, sendo feito por equipes trabalhando acima da sua capacidade não afeta positivamente a percepção do cliente sobre a marca. O acumulo dessa percepção ( além da divulgação desse descontentamento nas redes sociais e para amigos ) faz com que a própria demanda, com o tempo, possa sofrer uma retração. Esse efeito é extremamente comum em empresas em crescimento acelerado.
Impactos no leadtime de entrega
Um segundo lugar, principalmente em operações que envolvam a entrega de bens físicos de qualquer natureza, onde evidenciamos os impactos da sobrecarga na capacidade disponível frente a demanda é no tempo total para entregar ao cliente o serviço/produto que ele demandou.
Assumindo, por exemplo, uma cadeia de valor como a de um e-commerce que entrega artigos esportivos no mundo físico para os seus clientes, podemos analisar o impacto do crescimento exponencial de demanda e o aumento do leadtime de entrega da seguinte forma:
Modelo conceitual de estoque e fluxo para descrever a jornada de um pedido dentro de uma empresa de varejo que é limitada pela capacidade do e-commerce ( por exemplo, disponibilidade do serviço tecnológico em servir múltiplos usuários simultaneamente ) e capacidade instalada da logística de produção e entrega dos pedidos.
Para exemplificar a dinâmica entre a capacidade de receber pedidos de um ecommerce e a capacidade logística de entregar esses pedidos e seus produtos fisicamente nas casas dos clientes, vamos simular um cenário de base onde a demanda é ligeiramente ( 5% ) maior do que a capacidade logística.
Utilizamos a lei de Little ( Little's Law ) para calcular o leadtime desse sistema, considerando o work in progress como os pedidos recebidos que ainda não foram entregues e o throughput como o fluxo de entrega logística de produtos
Leadtime = ( Work in Progress / Throughtput )
Ou seja,
Tempo médio de entrega = ( Pedidos a serem entregues / Capacidade de entrega da logística )
O leadtime médio após 90 dias de simulação atinge o patamar de 2,5 dias para uma entrega e dado o acúmulo de pedidos feitos que ainda não foram entregues, quem fizer um pedido no dia 90 vai experimentar um leadtime de 5 dias. O cenário acima mostra um sistema próximo do equilíbrio e apresenta um tempo de entrega que muito provavelmente é adequado as expectativas de um cliente contemporâneo.
O problema de empresas em crescimento acelerado, onde a demanda cresce aceleradamente mas a velocidade com que a capacidade logística consegue acompanhar é aquém, é que inevitavelmente teremos um expressivo aumento no tempo total de entrega
Acima: a simulação considerando que a capacidade de receber pedidos no e-commerce vai aumentar de 1050 pedidos por dia para 2500 pedidos por dia ao longo de 60 dias e que a capacidade de entregar pedidos vai sair de 1000 pedidos por dia e escalar até 1500 ao longo de 90 dias. Os impactos no leadtime são óbvios: o leadtime médio chegando até 20 dias para um pedido, no entanto, quem fizer um pedido no dia 90 vai experimentar um leadtime de mais de 50 dias devido ao backlog de entregas acumulado
Nesse cenário o que vemos é o impacto no tempo total de entrega de um pedido feito enquanto a capacidade logística for menor do que a capacidade de receber pedidos pelo e-commerce. A não ser que os pedidos sejam cancelados, terminamos com um acumulo de pedidos feitos mas não entregues, aumentando o backlog e fazendo o leadtime médio de entrega crescer.
De novo aqui, o desafio é expandir a capacidade da logística na mesma velocidade ou mais rápido do que a capacidade de receber pedidos a partir do e-commerce. Vale ressaltar que o contrário também poderia acontecer: a capacidade do e-commerce em receber pedido estar abaixo da capacidade logística instalada gerando ociosidade e baixo retorno sobre o capital investido.
No próximo artigo vamos falar sobre o impacto do crescimento acelerado sobre a infraestrutura tecnológica, dívida técnica e outros desafios em manter e evoluir uma arquitetura para atender a demanda.
Estamos falando de um sistema e fila com a característica básica descrita pela notação de Kendall como M/M/1/∞. No futuro eu pretendo escrever um artigo abordando mais a fundo a relação entre a Lei de Little, o chamado Little’s Flaw e diversas insights úteis sobre teoria das filas na descoberta e desenvolvimento de produtos digitais e sistemas dinâmicos.