Shein e o fit entre as atividades internas
Ganhando vantagem competitiva a partir de suas atividades internas
Continuando a nossa conversa sobre business strategy e product strategy, neste artigo vamos analisar o posicionamento estratégico da Shein, os trade-offs feitos em função desse posicionamento e o encaixe entre as atividades internas e o posicionamento escolhido.
Esse artigo não pretende fazer uma análise exaustiva de todos os aspectos da Shein, mas sim conectar com os conceitos que discutimos nos artigos anteriores sobre estratégia de negócio e estratégia de produto usando esta empresa como contexto.
Uma breve introdução a Shein
A revista The Economist fez uma matéria sobre a empresa de fast-fashion Shein1 e como ela exemplifica um novo modelo de empresas chinesas desta década. O artigo descreve a empresa da seguinte forma:
"AMANCIO ORTEGA, founder of the Zara fast-fashion empire, got his start selling bathrobes in northern Spain. Erling Persson of H&M peddled women’s clothing in a small-town shop in Sweden for decades before going global. Xu Yangtian had none of their tailoring experience when he founded Shein (pronounced she-in) in 2008. Instead, the creator of the fashion world’s latest sensation was a specialist in search-engine optimisation.
This expertise helped Mr Xu gain an understanding of how to draw shoppers’ attention in the digital world. And he has understood this very well indeed, bringing to an audience of rapt Western fashionistas a Chinese style of “social commerce”, which combines social media with online shopping. Add in a revolutionary approach to manufacturing and the results have been spectacular. In 2019 Shein’s gross merchandise volume (GMV), e-commerce groups’ preferred measure of total sales on their platforms, was $2.3bn, estimates to Zheshang Securities, a Chinese broker. This year it is forecast to surpass $20bn. By 2022 analysts expect Shein’s GMV to overtake Zara’s revenues. In May Shein was the most downloaded shopping app in America, overtaking Amazon.
Mr Xu has also grasped how to navigate the growing commercial and geopolitical tensions between China and the West. It is hard to say for sure, given how secretive his privately held company remains, but Shein has probably had more success selling directly to Western consumers than any other Chinese firm in history. America is its biggest market, accounting for 35-40% of GMV. Another 30-35% comes from western and southern Europe. It has won the backing of both American venture capitalists (like Sequoia Capital) and Chinese ones (such as IDG Capital, a Beijing-based group). Stitch all this together and you get a new model of a successful Chinese multinational company."
fonte: Shein exemplifies a new style of Chinese multinational, The Economist
No Wikipedia da empresa encontramos algumas informações adicionais:
“Shein (styled as SHEIN; pronounced /ʃiː.ɪn/) is a Chinese online fast fashion retailer. It was founded in 2008 by Chris Xu in Nanjing, China as SheInside and sold women's fashion.
The company is known for its cheaply priced apparel which is made in China. In its early stages, Shein was more of a dropshipping business than a retailer. Shein was not involved in clothing designing and manufacturing and would instead get its products from the wholesale clothing market in Guangzhou. In 2014, Shein got its own supply chain and purchased Romwe, another Chinese e-commerce retailer, making Shein a "fully integrated retailer." In 2015, the brand officially changed its name to Shein.
In 2020, Shein was the most talked about brand on TikTok and Youtube and the 4th most talked about brand on Instagram. Shein currently trades in over 220 countries. Since 2018, Shein has been sued by both major and small fashion brands for copyright infringement issues.”
fonte: Shein, Wikipedia
Pelas descrições acima, podemos entender alguns aspectos sobre a Shein:
A empresa atua na indústria de artigos de moda ( foco primário em roupas femininas, porém também atende outros segmentos ) e se posiciona especificamente no espaço conhecido como fast fashion, assim como na recente interseção com o chamado social commerce
A empresa é chinesa, no entanto explora o mercado global primariamente. Diferentemente de outras grandes empresas chinesas, ela não tem capital aberto e costuma ser caracterizada pelo seu “low profile” quando a contrastamos com outros empreendedores e empresas chinesas com um perfil mais midiático.
A sua atuação é essencialmente digital, no entanto outros aspectos aparentam ser essenciais, por exemplo: o alto acoplamento e integração das etapas da sua cadeia de valor para conseguir encurtar o leadtime dos seus produtos.
A empresa utiliza uma rede de influenciadores e canais para alcançar os seus clientes e criar efeitos de rede positivos como o seu motor de aquisição
Antes de entrarmos em mais detalhe sobre o posicionamento estratégico da Shein, vamos explorar um pouco do contexto de fast fashion.
O mercado de fast fashion
No artigo Fast Fashion Lessons de 2008 conseguimos encontrar algumas definições sobre o que é fast fashion:
“In recent decades, retailers including Benetton, H&M, Topshop and Zara have revolutionized the fashion industry by following a strategy known as fast fashion, democratizing couture and bringing trendy, affordable items to the masses. Fast fashion describes the retail strategy of adapting merchandise assortments to current and emerging trends as quickly and effectively as possible. Fast fashion retailers have replaced the traditional designer-push model - in which a designer dictates what is ‘in’ - with an opportunity-pull approach, in which retailers respond to shifts in the market within just a few weeks, versus an industry average of six months.”
fonte: Fast fashion lessons, Donald Sull (MIT Sloan) e Stefano Turconi (London Business School), artigo de 2008.
Uma forma de visualizar o que significa o aspecto fast dentro do termo fast fashion é o quadro abaixo, mostrando o leadtime médio desde o design de uma peça até a venda do item com desconto de varejistas tradicionais e a sua comparação do mesmo ciclo para as empresas de fast fashion.
Acima: Comparação do leadtime entre processos de produção tradicionais na indústria da moda e fast-fashion, em muitos casos o leadtime das empresas de fast-fashion demora 19% do leadtime médio das empresas tradicionais. fonte: Operations Management in Apparel Retailing: Processes, Frameworks and Optimization, Felipe Caro ( UCLA ), Victor Martínez-de-Albéniz ( IESE Business School )
A redução agressiva do leadtime em comparação com os competidores tradicionais é o que permite o alto crescimento, impacto e desperdício gerado por essa abordagem.
Duas características são essenciais para conseguir reduzir drasticamente um indicador tão critico quanto esse:
Demand pull vs. design/supply push: O mercado da moda é impulsionado em ciclos para frequentemente atender a demanda do seu público alvo com as últimas tendências e novidades estéticas. Enquanto o ciclo tradicional de moda dependia da curadoria ativa ( e empurrada ) de um conjunto de designers ditando o que é o próximo ciclo da moda e equilibrando quando lançar uma tendência, o fast fashion se caracteriza por puxar esta tendencia a partir da análise das necessidades e hábitos dos seus clientes de maneira contextual2
Alta integração e adaptabilidade da sua cadeia de valor: Para conseguir se adaptar as constantes mudanças puxadas a partir dos gostos, tendencias e oportunidades dos seus clientes, as empresas de fast fashion precisam construir uma cadeia de valor altamente integrada e adaptável. A integração necessariamente precisa ocorrer a partir do compartilhamento de informações sobre demanda, forecast de vendas e inventário de toda a cadeia ( por exemplo: lojas, distribuidores, fábricas ) com os principais parceiros que conseguem assim se adaptar: produzindo mais de um produto, entregando mais de um produto para alguma localidade, ou simplesmente parando a produção de um item que não tenha tido a demanda esperada.
Shein e o “real time fashion”
Ainda do artigo da The Economist nós conseguimos ver alguns dos pilares que fazem da Shein uma empresa única:
“(…) a turbocharged version of the fast-fashion formula of offering a constantly updated range of garments at bargain-basement prices. Whereas Zara launches about 10,000 new products a year, Shein releases 6,000 new “stock-keeping units” (which includes old designs in new colours) every day. Though some of these are quickly discontinued, its permanent virtual wardrobe already numbers 600,000 individual items. And with a typical price tag of between $8 and $30, Shein’s garments cost roughly as much as those of Primark, a resolutely offline British retailer, and 30-50% less than similar ones from Zara or H&M, according to Douglas Kim of Smartkarma, a research firm.
Shein has managed to pull this off by combining a mastery of fashion supply chains with the sort of on-demand manufacturing originally enabled by Chinese e-commerce giants like Alibaba. It starts with design. A Shein team trawls the internet for the latest trends using algorithms to determine what is grabbing the most attention on any particular day. One member of this team told Chinese media last year that he visits thousands of websites to come up with ideas. These concepts are sent to another group that draws up designs, which are then manufactured in batches as small as 100 items, compared with a typical order of thousands.”
fonte: Shein exemplifies a new style of Chinese multinational, The Economist
A capacidade da Shein de introduzir um volume diário de novos produtos 222 vezes maior do que a Zara é capaz, atesta para o potencial de execução da empresa.3
O segundo ponto essencial é a forma como ela encontra as tendências a serem exploradas: utilizando modelos de inteligência artificial e reconhecimento de padrões em imagens e videos nas redes sociais, a empresa consegue capturar o que está quente naquele momento, e após uma breve avaliação de humanos, o oportunidade de produzir tais itens é capturada ao iniciar a produção de um lote de teste do mesmo.
O terceiro ponto é a forma como a empresa consegue reduzir mais ainda o seu leadtime. De acordo com a Lei de Little, o leadtime médio varia em função do tamanho do lote sendo processado, assim como também varia inversamente a capacidade de vazão de algum sistema de produção.
Dito isso: ao reduzir para 100 peças o tamanho do lote de artigos de moda sendo produzidos, a empresa consegue reduzir drasticamente o leadtime daquele produto, e potencialmente aumentando a velocidade e chance dele chegar nas mãos dos consumidores enquanto as tendencias relacionadas com aquela estética ainda estão “quentes”. Caso este produto apresente tração, a produção do mesmo é aumentada, caso contrário a aposta é descartada.
Encaixe entre as atividades
fonte: Shein, the tiktok of ecommerce, Not Boring Newsltter
O diagrama acima descreve bem o encaixe entre as diversas atividades performadas pela Shein para garantir a sua efetividade operacional, assim como o seu posicionamento estratégico.
Data analytics para captar tendências, cadeia de produção integrada e adaptável para minimizar o leadtime e reduzir os custos de produção resultam em um produto de baixo preço. Como se tratam de novas tendências, existe um risco inerente, no entanto a sua abordagem de produção em lotes pequenos simultaneamente ajuda a reduzir o leadtime, diminui o seu estoque, contribui para a sua prateleira infinita diariamente provocando engajamento e aumentando o número de usuários ativos por dia em seu app que buscam novidades.
A experiência é suportada por seu canal mobile. Além de oferecer uma experiência otimizada para este tipo de consumo, o ciclo de aquisição de usuários é fortemente estimulado por word of mouth ( boca a boca ) e inserções junto a influenciadores, assim como anúncios nas principais plataformas.
Reparem que parte da efetividade operacional da Shein se dá quase que única e exclusivamente a partir do encaixe entre as suas atividades internas. Fazendo um exercício de activity mapping da empresa podemos enxergar como as atividades se reforçam:
Expansão da fronteira de produtividade ou posicionamento estratégico?
De certa forma, o que a Shein está conseguindo é executar melhor e mais rápido o que outras empresas talvez ainda tenham dificuldade implementar. Nos remetendo a discussão dos artigos anteriores sobre efetividade operacional não ser a sua estratégia, faz sentido avaliarmos se a Shein tem um posicionamento estratégico distinto ou apenas um conjunto de atividades internas que confere a ela uma vantagem competitiva temporária ao empurrar a fronteira de produtividade da indústria um pouco mais para frente:
“The productivity frontier is constantly shifting outward as new technologies and management approaches are developed and as new inputs become available. Laptop computers, mobile communications, the Internet, and software such as Lotus Notes, for example, have redefined the productivity frontier for salesforce operations and created rich possibilities for linking sales with such activities as order processing and after-sales support. Similarly, lean production, which involves a family of activities, has allowed substantial improvements in manufacturing productivity and asset utilization.
(…)
OE competition shifts the productivity frontier outward, effectively raising the bar for everyone. But although such competition produces absolute improvement in operational effectiveness, it leads to relative improvement for no one. Consider the $5 billion-plus U.S. commercial-printing industry. The major players— R.R. Donnelley & Sons Company, Quebecor, World Color Press, and Big Flower Press—are competing head to head, serving all types of customers, offering the same array of printing technologies (gravure and web offset), investing heavily in the same new equipment, running their presses faster, and reducing crew sizes.
But the resulting major productivity gains are being captured by customers and equipment suppliers, not retained in superior profitability. Even industry-leader Donnelley’s profit margin, consistently higher than 7% in the 1980s, fell to less than 4.6% in 1995. This pattern is playing itself out in industry after industry. Even the Japanese, pioneers of the new competition, suffer from persistently low profits.”
fonte: What is Strategy, Michael Porter HBR 1996
De certa forma, a estratégia da Shein é dividida em três principais aspectos:
Ser a low-cost em seu segmento de mercado, superando os preços ( que já eram baixos ) de outras empresas de fast-fashion como a Zara, por exemplo. Sua forma de servir, operar a sua cadeia de valor e práticas de gestão reforçam este posicionamento
Refazer a cadeia de valor tradicional de empresas de fast-fashion só que com o modelo mental digital versus o analógico. Onde as empresas tradicionais de fast fashion ainda tem uma perspectiva analógica da sua cadeia de valor e canais de vendas, a Shein se posiciona como se fosse o tiktok dos e-commerces.
Se aproveitar da inércia de empresas com uma alta presença no mundo físico para se transformarem ou evoluírem integrando o mundo físico e o digital de maneira coesa. Processos internos, modelos mentais, responsabilidades com os acionistas e outros temas impedem ou atrasam essa mudança e a Shein enquanto isso aumenta o seu marketshare.
As perguntas finais que devemos fazer sobre a estratégia da Shein são: o quão dificilmente imitáveis são as atividades internas da Shein por seus competidores? Ou colocando de uma outra forma: o que impede hoje que outros varejistas de fast fashion adotem as práticas que a Shein executa hoje?
Determinar de maneira clara o que garante a posição defensável da Shein no médio/longo prazo vai justificar se a empresa tem ou não um posicionamento estratégico efetivo: essa posição é garantida pela relação com a manufatura e produção chinesa? Sua cadeia de valor tem aspectos dificilmente copiáveis? O conjunto de mercados e clientes atendidos por ela apresentam alguma restrição de acesso relevante para outras empresas e competidores?
Se a estratégia da Shein for apenas calcada em entregar uma efetividade operacional melhor do que os seus competidores, a historia nos mostra que esse diferencial competitivo tende a se deteriorar no médio/longo prazo.
Uma definição formal da empresa pode ser encontrada na sua página “Sobre nós” em seu site:
“SHEIN é uma empresa internacional de comércio eletrônico de fast fashion B2C. A companhia se concentra sobretudo sobre roupa feminina, mas oferece igualmente roupa masculina, infantil, acessórios, sapatos, carteiras, e outros artigos de moda. Shein orienta-se principalmente para os mercados na Europa, América, Australia e no Médio Oriente, assim que muitos mais outros. A marca foi fundada em 2012 e, desde então, mantém a filosofia de que “todos podem desfrutar da beleza da moda”. Seus negócios cobrem mais de 150 países e territórios em todo o mundo.”
Fonte: Sobre nós, Shein
Uma anedota interessante sobre velocidade do fast fashion:
“In the fickle world of fashion, even seemingly well-targeted designs could go out of favor in the months it takes to get plans to contract manufacturers, tool up production, then ship items to warehouses and eventually to retail locations. But getting locally targeted designs quickly onto store shelves is where Zara really excels. In one telling example, when Madonna played a set of concerts in Spain, teenage girls arrived to the final show sporting a Zara knockoff of the outfit she wore during her first performance. The average time for a Zara concept to go from idea to appearance in store is fifteen days versus their rivals who receive new styles once or twice a season.”.
Racional: ( 6.000 novos produtos por dia na Shein * 365 dias no ano ) / 10.000 novos produtos por ano na Zara