Niche Opportunity - Parte 2
Estratégias de entrada e inovação disruptiva na oportunidade de nicho
Encaixe entre as atividades executadas e o posicionamento estratégico
Um dos pilares de um posicionamento estratégico eficaz é o encaixe entre as atividades executadas pela empresa e a aderência ao seu posicionamento, a importância deste encaixe engloba tanto quais atividades em si serão feitas, e também como essas atividades serão executadas.
Já vimos em outros artigos a importância deste conceito:
O encaixe entre as atividades performadas e o posicionamento no ambiente onde a empresa está inserido é condição minima e necessária para a execução de uma estratégia de sucesso. Além disso, o alto encaixe entre ambas garantem feedbacks que se reforçam fazendo com que o todo seja maior do que a soma das partes, por exemplo:
Consistência entre as atividades performadas e a estratégia da empresa. Consistência garante que as vantagens competitivas das atividades se acumulem e não se cancelem umas com as outras ou se deteriorem mutuamente. Consistência facilita e simplifica a comunicação com clientes/usuários, acionistas, empregados e melhora a implementação através de alinhamento dentro e fora da corporação
Fit através de atividades que se reforçam. A compatibilidade ( ou incompatibilidade ) entre atividades podem gerar reforços que fazem com que o todo seja maior do que a soma das partes.
O posicionamento estratégico diferenciado da Apple ao se propor a produzir produtos premium faz com que a forma como as suas atividades são performadas tenham coerência: Se a Apple se propõe a fazer um produto diferenciado ela deve investir em P&D e buscar atrair os melhores talentos ou ainda produzir o seu próprio microprocessador, hardware, sistema operacional e camada de serviço e relação com os seus clientes.
A forma como faz P&D, como atrai, recruta e retêm talentos ou ainda como decide verticalizar a sua cadeia de valor além de ser coerente com a estratégia são também atividades que se reforçam: melhores engenheiros atraem melhores engenheiros, o que facilita a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias e produtos que permitem por exemplo que ela consiga verticalizar a cadeia de valor produzindo os seus próprios microprocessadores, hardware, sistema operacional e serviços se necessário
Otimização de esforços. A coordenação e troca de informação entre as atividades eliminando redundância e minimizando esforços desperdiçados são a forma mais básica de otimização de esforços, mas existem outros exemplos sistêmicos que refletem esse encaixe, por exemplo, decisões de design de um produto que podem eliminar a necessidade de atendimento no pós-venda ou ainda que habilitem o auto-serviço para os seus usuários/clientes.
Obviamente esse critério passa a ser mais determinante ainda em um contexto onde capturar oportunidades de nicho é o diferencial almejado.
Atender um nicho é, em sua essência, se adaptar totalmente aquele ambiente, e por conta desta adaptação, conseguir diferenciais na forma como servimos o cliente assim como nos diferenciamos de outros competidores e agentes naquele e em outros espaços.
Vamos olhar por esta perspectiva a competição no mercado de streaming de video para ilustrar alguns conceitos…
O mercado de streaming de video
Este mercado possui muitas similaridades ao mercado de streaming de musica que exploramos no artigo anterior. Obviamente, eles diferem em áreas essenciais e que são muito intensivas em uso de capital, seja na produção dos conteúdos quanto nos canais de distribuição, por exemplo.
Para a nossa análise de oportunidades de nicho, vamos avaliar alguns dos principais players deste mercado, e começar considerando o espectro entre posicionamento diferenciado e low cost, conforme abaixo:
Simplificando a analise, podemos ver que temos dois grandes clusters: o grupo composto por nomes como HBO Max, Disney+, Netflix e outros que possuem uma ampla gama de show, séries, filmes, se diferenciando em especialidades do seu catalogo e com programas exclusivos.
E no lado direito, temos alguns exemplos de posicionamentos mais orientados a low cost, a começar pelo YouTube, notoriamente o principal player neste espaço, que consegue ser “de graça” devido ao seu modelo de anúncios.1
Novamente, se fizermos como no artigo anterior e analisarmos agora a dimensão de escopo mais amplo ou mais focado, conseguimos ver diversas oportunidades de entrada e posicionamento, os quais vou classificar logo a seguir com alguns exemplos:
SommTV é um plataforma de streaming focada no mundo do vinho, em seus produtores e consumidores. Ela produz séries, shows, programas e filmes focados para um publico-alvo: “os amantes de vinhos” e os “profissionais do mundo do vinho”.
Brasil Paralelo produz conteúdos de cunho político, social e cultural com foco em educação direcionado para um espectro político específico. Eles produzem conteúdos focados para o seu público-alvo e com isso consegue otimizar a experiência para este nicho.
Playkids é focada em conteúdo infantil, e com este escopo focado ele consegue direcionar o seu produto para as necessidades deste publico-alvo e ser mais eficaz em atendê-lo.
Vimeo é a plataforma de videos focada para "creators”, e assim como nos outros exemplos, ela consegue se diferenciar ao focar no seu publico-alvo oferecendo produtos e serviços aderentes as necessidades deste nicho.
Assim como no exemplo de streaming de musica, serviços mais amplos como o Youtube endereçam também o escopo mais inchado de conteúdo.
No entanto se considerarmos o nicho de amantes de vinho, a oportunidade capturada pela SommTV, por exemplo, é exercida somente pelo foco naquele escopo mais nichado.
Ao focar, ela consegue adequar as atividades executadas ao seu posicionamento e entregar uma experiência e valor otimizados para a população daquele nicho.
Enquanto uma busca por ‘Bordeaux’ no Youtube corretamente me traz conteúdos diversos sobre turismo, viagens, geografia e também sobre vinhos da região de Bordeaux, uma busca por ‘Bordeaux’ na SommTV me traz um conteúdo focado em vinho e vinícolas da região que é exatamente o que o foco em um nicho permite a um produto ou serviço fazer.
Novamente, a simples analise com foco em um nicho abre algumas opções de entrada em um espaço que a principio parece estar ocupado, imersos em uma alta competitividade e pouco espaço para uma entrada disruptiva.
Disrupção e o conceito de inovação disruptiva é algo que conecta o posicionamento de nicho com estratégias de entrada em mercados estabelecidos, a pergunta que paira então é: Porque os incumbentes não capturaram eles mesmos as oportunidades de nicho adjacentes aos seus mercados centrais?
Para explorar possíveis respostas para esta pergunta precisamos fazer um pequeno “detour”.
A evolução de um produto mínimo viável
Um ponto pouco comentado sobre o épico desenho do Henry Kniberg ilustrando o conceito de produto mínimo viável, é o que acontece depois que finalmente chegamos no “carro” do conceito de MVP após uma longa jornada evolutiva a partir do “skate”.
O objetivo de uma empresa e um produto/serviço de maneira geral após encontrar uma solução para um problema que faça sentido ser explorado, é alcançar um “encaixe” entre o produto e o mercado sendo servido, e posteriormente escalar esse produto/serviço até o seu máximo potencial, buscando cada vez mais eficácia e eficiência.
Por consequência lógica, após o product/market fit, as atividades internas e externas da empresa são cada vez mais otimizadas, as necessidade do usuário/cliente são cada vez mais compreendidas e endereçadas, oportunidades auxiliares são desenvolvidas e capturadas e a relação com os diversos fornecedores e o ecossistema em geral é cada vez mais sedimentada levando a empresa a cada vez mais buscar eficiência em algo cuja a eficácia já tenha sido encontrada.
Eventualmente o produto caminha em direção a um conjunto mais completo de características e funcionalidades, e nesta lógica um questionamento natural poderia ser: O que vem depois do “carro” no desenho do Henry Kniberg?
Uma forma de representar a continuação do desenho do Henry Kniberg seria o passo 6 exemplificado abaixo:
Após se chegar em um carro, o passo posterior natural seria otimizar o caminho percorrido entre as atividades executadas e o atendimento das necessidades do cliente/usuário e os objetivos de negócios, de maneira cada vez mais eficiente.
Uma analogia cabível para isto seria um trem sobre trilhos almejando otimizar o percurso entre dois pontos, uma reta, com pouquíssimas interrupções, congestionamentos e desperdícios.
O próprio conceito de trilho caracteriza a eficiência, um trem é eficiente e eficaz ao andar sobre aqueles trilhos, e no entanto, por causa deste mesmo motivo, ele não pode “sair dos trilhos” para o qual foi otimizado.
E é exatamente essa a oportunidade de entrada em mercados “under served” e de nicho de um produto ou serviço.
Disrupção e o caminho de entrada em mercados estabelecidos
Aqui chegamos no argumento central da teoria de inovação disruptiva de Clayton Christensen: conforme as empresas atendem as necessidades do mercado com um produto ou serviço de sucesso, incrementando a sua performance, duas consequências podem ocorrer caso um equilíbrio na performance oferecida não seja atingida:
overshoot - ou seja, “ultrapassar ou sobre atender” as necessidades dos usuários/clientes
underserve - ou seja, “sub tender” as necessidades de um nicho de usuários/clientes
A dinâmica acontece mais ou menos assim:
Um incumbente com um produto ou serviço de sucesso continuamente o otimiza para aumentar a sua performance ao longo de uma trajetória de inovação continua e incremental
Eventualmente ao incrementar continuamente o produto as necessidades dos usuários daquele produto são ultrapassadas, ou seja, mais performance do que é necessário é entregue ( seja no produto/serviço como um todo ou em partes dele )
Ao entregar mais performance do que desejado ou desconsiderar as necessidades de nichos de clientes também atendidos por este produto/serviço, o incumbente deixa espaço para um entrante servir de maneira eficaz as necessidades daqueles grupos de usuários carentes fazendo uma inovação disruptiva que os atendam, seja por meio de um produto/serviço mais barato ou por endereçar um novo mercado negligenciado pelos incumbentes.
Quando gradual e continuamente o entrante atende a necessidade de novos nichos e usuários, ele consegue comer fatias do mercado do incumbente que eventualmente precisa reagir ou ver a sua posição ser atacada.
Em outras palavras:
“(…) "Low-end disruption" occurs when the rate at which products improve exceeds the rate at which customers can adopt the new performance. Therefore, at some point the performance of the product overshoots the needs of certain customer segments. At this point, a disruptive technology may enter the market and provide a product that has lower performance than the incumbent but that exceeds the requirements of certain segments, thereby gaining a foothold in the market.
In low-end disruption, the disruptor is focused initially on serving the least profitable customer, who is happy with a good enough product. This type of customer is not willing to pay premium for enhancements in product functionality. Once the disruptor has gained a foothold in this customer segment, it seeks to improve its profit margin. To get higher profit margins, the disruptor needs to enter the segment where the customer is willing to pay a little more for higher quality. To ensure this quality in its product, the disruptor needs to innovate. The incumbent will not do much to retain its share in a not-so-profitable segment, and will move up-market and focus on its more attractive customers. After a number of such encounters, the incumbent is squeezed into smaller markets than it was previously serving.
And then, finally, the disruptive technology meets the demands of the most profitable segment and drives the established company out of the market.”
Toda esta dinâmica acontece tendo como pano de fundo a lógica do “trem sob trilhos” mencionada anteriormente: ao otimizar as suas atividades na direção de mais eficiência e eficácia.
O trilho construído, simultaneamente gera valor e ao mesmo tempo torna mais difícil que a empresa, produto ou serviço tenha flexibilidade e agilidade para mudar de direção rapidamente caso um entrante apareça.
Esta é uma das oportunidades de entrada ao atender o nicho, e dificilmente será rapidamente combatida pelos incumbentes.
Takeaway
A oportunidade de nicho é real e deve ser sempre considerada na estratégia de um produto ou serviço, especialmente os digitais que possuem diversas facilidades de custo de distribuição, custo marginal próximo de zero e outros temas que já discutimos por aqui.
Além disso, a oportunidade ao focar em um nicho pode representar uma estratégia eficaz de entrada em um espaço já muito ocupado e ajudar na analise de posicionamento estratégico de um produto ou serviço de forma a encontrar possíveis diferenciais e oportunidades de geração e captura de valor.
Achei pertinente colocar também a TV aberta neste mesmo lugar devido a sua penetração, apesar de não ser obviamente streaming e on-demand.