Gaps estratégicos em um contexto incerto, complexo e dinâmico
In a stable, predictable environment it is possible to make quite good plans by gathering and analyzing information. We can learn enough about the outside world and our position in it to set some objectives.
We know enough about the effects any actions will have to be able to work out what to do to achieve the objectives. We can then use a mixture of supervision, controls, and incentives to coerce, persuade, or cajole people into doing what we want.
We can measure the results until the outcomes we want are achieved. We can make plans, take actions, and achieve outcomes in a linear sequence with some reliability. If we are assiduous enough, pay attention to detail, and exercise rigorous control, the sequence will be seamless.
In an unpredictable environment, this approach quickly falters. The longer and more rigorously we persist with it, the more quickly and completely things will break down.
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The Art Of Action, Stephen Bungay
Muitos de nós já passaram pelo descrito abaixo: Uma empresa ou área precisa definir ações para lidar com o cenário que ela vai enfrentar nos próximos meses ou anos, para isso uma sessão de planejamento estratégico anual é organizada, os principais líderes da empresa são reunidos e participam munidos de opiniões sobre o que deve ser feito nos próximos 12 a 24 meses.
As opiniões divergem e convergem, dinâmicas para evidenciar discordâncias e atingir consenso são amplamente utilizadas, o jogo político de alianças e coalizões é frequentemente ensaiado, dados e fatos são usados para balizar argumentos e direcionamentos, mas as vezes também são ignorados ou avaliados com viés.
Após longas horas ou dias, aos poucos chegasse a uma deliberação, uma direção e um plano mais ou menos detalhado. Existe uma sensação de incerteza: se apenas aquele grupo pudesse passar mais tempo analisando os dados e os cenários apresentados, ou se mais indicadores e informações pudessem ser levantados, talvez o plano se tornasse mais robusto.
No entanto não há mais tempo, os objetivos já estão definidos, as metas estão sendo calculadas e as suas interligações entre diferentes áreas são feitas para garantir alinhamento e colaboração. Ajustes finos finais são calibrados, sessões de acompanhamento e de governança são agendadas e o plano estratégico está quase pronto para ver a luz do dia conforme a sessão vai chegando ao seu fim.
Dias, semanas ou meses se passam e o que foi planejado encontra muita dificuldade de ser encaixado na rotina do dia a dia dos funcionários: a realidade acaba se sobrepondo e se mostrando mais teimosa do que era esperado, o plano é empilhado em cima das responsabilidades e atividades que ainda perduram de planos anteriores.
O desdobramento do que foi concebido para as camadas mais baixas da empresa não é efetivo: Gaps, inconsistências, desentendimentos e duvidas sobre o plano começam a surgir. Gerentes e líderes locais em níveis mais baixo tentam dar coerência aos comandos mas a falta de contexto os deixa em uma situação vulnerável. De maneira prestativa eles tentam “subir com essas dúvidas” com o objetivo de serem sanadas, no entanto a liderança está com pouco tempo para respondê-las, ou pior, muitos dos questionamentos de fato fazem sentido, mas implicariam em uma rediscussão completa do que foi planejado, porem esse barco já zarpou, essa discussão não é mais politicamente possível.
Aos poucos a liderança vai ficando impaciente e frustrada pois o plano não vê a luz do dia. E seja por pressão, heroísmo ou ambos, pedaços do plano lentamente começam a ser transformados em iniciativas, alguns elementos do que foi planejado iniciam a sua execução da melhor maneira possível pelos agentes mais próximos do problema.
Lentamente feedbacks da realidade sobre estas ações executadas começam a ser recebidos, e os indicadores que o plano esperava impactar tem pouco ou nenhum movimento na direção esperada. A liderança talvez pense: “Se apenas os funcionários fossem mais comprometidos, estaríamos bem em relação a execução do plano”. Os liderados talvez pensem: “Se apenas os líderes ouvissem mais, estaríamos atacando os problemas da maneira adequada”. Uma tensão natural e velada começa a pairar.
Meses se passam e outras prioridades urgentes sequestram a agenda da empresa, talvez algo novo e inesperado, talvez algo que pudesse ter sido antecipado e mitigado, não importa. Aos poucos as iniciativas que conseguiram ter algum tipo de execução, vão perdendo o seu sentido e a sua credibilidade é minada aos poucos.
O plano que havia sido desenhado quase não é mais mencionado e surpreendentemente percebemos que 12 meses já se passaram, já estamos novamente de frente com o próximo ciclo da empresa e uma sessão de planejamento estratégico é agendada…
Gaps na definição de uma estratégia
Obviamente a anedota acima é fictícia, mas frequentemente é a realidade em muitas empresas, por isso temos que fazer uma pergunta legitima quando o tema é definição estratégica: porque é tão difícil conceber e executar uma estratégia e o seu plano em um contexto volátil, complexo, ambíguo e incerto? Quais são as fontes que geram essa dificuldade inerente?
Nós já abordamos esse tema de maneira indireta algumas vezes, mas acho que faz sentido sintetizarmos os principais desafios neste tipo de cenário. Para isso eu vou me apoiar no excelente livro do Stephen Bungay chamado The Art of Action.
Um dos principais desafios para se conceber, executar e realizar os impactos de um plano estratégico em um contexto imprevisível, dinâmico e complexo, é causado pela tensão de pelo menos três gaps entre o plano, a ação e os seus resultados.
São eles:
Knowledge gap: A diferença entre o que gostaríamos de saber e o que de fato sabemos sobre o contexto onde estamos inseridos
Alignment gap: A diferença entre o que nós gostaríamos que as pessoas envolvidas no plano fizessem e o que de fato elas fazem e executam.
Effects gap: A diferença entre o que nós esperamos que o nosso plano e ações gerem de resultados e o que de fato o nosso plano e suas ações geram de resultado.
Esses três gaps entre o plano, as ações executadas e os resultados obtidos/desejados são uma forma bastante poderosa de exemplificarmos por que um modelo linear, sequencial, focado em comando e controle não pode ser tão bem sucedido em um contexto volátil, incerto, complexo e ambíguo.
The Art of Action - Stephen Bungay
Vamos tentar ilustrar com alguns exemplos como esses gaps acontecem e por que eles são extremamente desafiadores.
Knowledge Gap
(…) Our plans are imperfect because we lack knowledge. We may not have gathered enough information about the situation or we may have interpreted it wrongly. We may have overestimated our own capabilities. We may have false assumptions about the actions of others or about what will happen in a future which is fundamentally unknowable”
The Art of Action - Stephen Bungay
O knowledge gap ilustra um desafio básico que acontece durante a concepção de uma estratégia: nós simplesmente não temos como saber tudo o que seria necessário para concebermos uma estratégia que seja perfeita, completa, sem falhas ou sem necessidades de adaptações, e por consequência uma estratégia sem gaps em seu plano.
O cenário econômico e politico local/global e as suas implicações, as novas predileções dos clientes, os movimentos de ataque e contra-ataque da competição para qualquer movimento executado por nós, a expectativa dos investidores e as ambições dos reguladores, são exemplos de variáveis que podem multiplicar a complexidade e a incerteza a ser enfrentada por um plano estratégico.
Todos esses temas geram o knowledge gap fazendo evidente que exista um espaço entre o que nós gostaríamos de saber e o que de fato sabemos sobre o contexto onde estamos inseridos.
Alignment Gap
“(…) Our actions are not always those we plan because it is so difficult to align everybody who needs to act. The message about what we want them to do may not get through, or it may be misunderstood. They may act too early or too late. They may not believe that what we want them to do is the right thing to do, or they may not be willing to do it. They may simply have different priorities”
The Art of Action - Stephen Bungay
O alignment gap por outro lado não trata apenas do desafio de informação imprecisa, falsa ou incompleta na hora de conceber uma estratégia e o seu plano, mas na verdade aborda a dificuldade complexa de garantir que todos entendam as intenções e ações de um plano da maneira adequada para executá-lo como concebido.
O que deve ser feito, por quem e quando, como as ações devem ser organizadas e coordenadas entre os diversos grupos para serem executadas com o efeito desejado.
Somente esses elementos acima já seriam desafiadores em uma organização minimamente complexa, no entanto, ainda existe uma camada adicional que é exemplificada pelo quanto as pessoas que irão executar o plano se sentem parte dele e acreditam que este é o caminho a ser seguido.
Todos esses temas geram o alignment gap fazendo evidente que o que nós gostaríamos que as pessoas envolvidas no plano fizessem acaba sendo divergente do que de fato elas fazem e executam.
Effects Gap
“(…) And even if we make good plans based on the best information available at the time and people do exactly what we plan, the effects of our actions may not be the one we wanted because the environment is nonlinear and hence is fundamentally unpredictable. As time passes the situation will change, chance events will occur, other agents such as customers or competitors will take actions of their own, and we will find that what we do is only one factors among several which create a new situation.”
The Art of Action - Stephen Bungay
Por último temos o effects gap onde mesmo que consigamos superar o knowledge gap e conseguirmos conceber uma estratégia coerente com a realidade a partir de informações e conhecimentos que temos. E mesmo que consigamos superar o alignment gap e fazer com que todas as pessoas necessárias entendam e executem as ações do plano de maneira alinhada e coordenada, ainda sim temos que lidar com a realidade de que os efeitos esperados podem não ser gerados.
Os motivos são vários: seja porque existem consequências não antecipadas ou indesejadas a partir das nossas ações, seja porque simplesmente nos equivocamos nos efeitos que as ações gerariam, seja porque executamos as ações de maneira errada não causando os resultados que esperávamos, seja talvez porque o ambiente mudou e novas variáveis e contextos agora predominam, não importa - o produto final desse gap faz com que o plano seja ineficaz para o objetivo que foi concebido.
Piorando o problema…
Os desafios obviamente não param por ai: é bastante comum que ao enfrentar as reverberações geradas pelos três gaps acima, o modelo mental da liderança para mitigá-las sejam ações que infelizmente agravam o problema ainda mais.
Em muitos contextos as reações para lidar com esses três gaps são as seguintes:
para o fechar o knowledge gap buscamos mais informações e detalhes
para o fechar o alignment gap buscamos instruções mais detalhadas
para o fechar o effects gap buscamos um controle maior e mais minucioso
Contra intuitivamente nenhum dos três gaps são fechados com as reações acima. Na verdade, a execução dessas reações só causam efeitos indesejados, por exemplo, se buscarmos mais informações e detalhes para fechar o knowledge gap podemos incorrer em uma paralisia de analise, e a verdade é que na maioria dos contextos dificilmente teremos informação perfeita disponível durante o planejamento e a tomada de decisão.
Se buscarmos detalhar mais as instruções do plano com a finalidade de fecharmos o alignment gap o foco pode se desvirtuar dos objetivos estratégicos a serem atingidos e resultar em uma ênfase em modelos operacionais, rotinas e procedimentos como um fim em si mesmos.
Por último, se implantarmos mais sistemas de controle para fechar o effects gap o efeito mais provável que teremos é mais overhead, mais métricas e KPIs a serem acompanhados e reportados, e mais conformidade da força de trabalho.
Todas essas ações, apesar de suas boas intenções a principio, agravam o problema. Se antes já tínhamos pelo menos os três gaps, agora temos que lidar também com as consequências indesejadas das ações que fizemos para fechar esses três gaps, multiplicando os impactos na problemática.
O que fazer então?
Abordagens na direção de uma solução
Talvez o grande insight em relação a como ser bem sucedido em um contexto volátil, incerto, complexo e ambíguo emerja do fato de que precisamos de modelos mentais diferentes que sejam mais adequados a este tipo de contexto para conseguirmos melhores resultados.
Como já vimos, uma mentalidade estritamente calcada em comando e controle vai se tornar ineficaz para lidar com todos os detalhes, percalços e surpresas que encontraremos desde a concepção da estratégia até os efeitos desejados a partir da execução do plano atrelado a ela.
Stephen Bungay ilustra em seu livro a evolução do pensamento estratégico no contexto militar justamente para lidar com a fricção do cenário de guerra onde as dificuldades ilustradas acima se propagam com uma volatilidade maior ainda do que no contexto de negócios.
Os principais insights de uma escola de pensamento para lidar com esse contexto em uma guerra emergem a partir dos ensinamentos de Clausewitz e de Von Moltke.
Este último sintetizou de maneira bastante efetiva formas de se fechar ou se adaptar melhor aos três gaps em uma estratégia:
Von Moltke
Para lidar com o knowledge gap é necessário não comandar mais do que é requerido ou planejar além das circunstancias que você consegue antecipar e ver:
“(…) On the knowledge gap, he emphasizes the need to plan only what can be planned, the need for judgement and timely decision-making based on what one can ascertain, and the acceptance of uncertainty.
The Art of Action - Elements of a solution: directed opportunism, Stephen Bungay
Para lidar com o alignment gap é necessário comunicar para os envolvidos o máximo possível sobre a intenção estratégica. Fornecer contexto e informação sobre o propósito dos tempos e movimentos e o que se quer atingir ajuda a alinhar as pessoas em uma única direção.
Fornecer autonomia para que as decisões pertinentes ao seu nível sejam tomadas de maneira localizada e contextualizada é essencial:
“(…) On the alignment gap, he recommends a cascade process with each level adding something to the one above, but all united by an understanding of the intentions of the higher levels. Plans should be appropriate to their level: the lower the level, the more specific and detailed they should be. (…) the higher level should tell the organization as a whole, the overall purpose, the immediate intention of the higher level, (…). With this knowledge of what to achieve and why, it should itself decide about how to achieve it. It will have more accurate and more up-to-date information about the situation it is facing and will therefore know best what specific actions to take.”
The Art of Action - Elements of a solution: directed opportunism, Stephen Bungay
Para lidar com o effects gap ele recomenda fornecer graus de liberdade para os agentes locais adaptarem as suas ações ao receberem e reagirem aos feedbacks da realidade determinando se estão ou não evoluindo na direção esperada.
No entanto ele também recomenda de maneira complementar que sejam estabelecidas fronteiras ou limites para as ações de forma a colocar grades de proteção e a necessidade de alçadas caso esses limites tenham que ser ignorados:
“(…) On the effects gap, he encourages the use of individual initiative within boundaries and actually requires junior people to depart from the letter of their instructions if the situations demands it in order to fulfill the intent. Rather than tightening control, he suggests that as long as the intentions of the higher levels are made clear, individual initiative can be relied on to adjust actions according tot he situation.”
The Art of Action - Elements of a solution: directed opportunism, Stephen Bungay
Baseado no que vimos acima podemos conceber uma adaptação para o nosso contexto, conforme o próprio livro sugere:
The Art of Action - Elements of a solution: directed opportunism, Stephen Bungay
A tradução dos conceitos seriam mais ou menos assim:
Para lidar com o knowledge gap defina e comunique muito bem o contexto e a intenção estratégica almejada
Para lidar com o alignment gap permita que cada nível defina como eles atingirão as intenções almejadas no que for pertinente ao seu nível de mandato e execução
Para lidar com o effects gap dê graus de liberdade para os indivíduos ajustarem as suas ações as intenções almejadas de maneira a gerarem os efeitos desejados.
Embracing uncertainty
Os três gaps - knowledge gap, alignment gap e effects gap - destacam as principais áreas de atenção que precisam ser endereçadas para garantir que as organizações estejam alinhadas com a estratégia e sejam capazes de executá-la com eficácia.
No entanto, o ambiente contemporâneo é caracterizado por uma incerteza crescente e constante mudança. Nesse contexto, é importante que as organizações adotem modelos mentais mais aptos a abraçar a incerteza e que por consequencia sejam capazes de se adaptar rapidamente às mudanças do mercado e às novas oportunidades.
Abraçar a incerteza e incorporá-la de maneira genuína na sua tomada de decisão gera estratégias e planos mais robustos se a liderança tiver a coragem de agir a partir deste lugar.
As organizações que conseguirem fazer isso terão uma vantagem competitiva significativa e estarão bem posicionadas para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades que surgem ao longo do caminho.
Tudo começa e termina a partir do modelo mental adequado para a situação enfrentada.