Ambiguidade e Paradoxo
Acima: No desenho The Rabbit-duck illusion é possível ver simultaneamente um coelho e um pato na mesma imagem, um exemplo de uma imagem ambígua.
ambíguo (adjetivo)
que tem (ou pode ter) diferentes sentidos; equívoco.
"esclarecimento duvidoso, pois muito a."
que desperta dúvida, incerteza; vago, obscuro, indefinido.
"caráter a."
No mundo de hoje muito se fala sobre a necessidade de lidarmos com muitas ambiguidades, seja na nossa vida pessoal ou no contexto profissional. É comum atrelarmos a palavra complexidade ao contexto de ambiguidade especialmente quando falamos dos desafios que as empresas enfrentam no século 21.
Quando traduzimos o significado de um cenário ambíguo para o contexto de negócio, vemos essencialmente essa palavra aplicada em três principais temas:
falta de uma categoria ou categorização para compreender uma situação encontrada
falta de uma compreensão das relações de causa-efeito para explicar o fenômeno que está sendo experimentado impedindo o seu entendimento, predição ou atrapalhando a definição de possíveis intervenções para resolvê-las
ambiguidade de papeis e responsabilidades dentro de uma estrutura formal
O primeiro tema é relacionado com a forma como lidamos com situações inéditas ou desconhecidas por aquele grupo, onde não conseguimos nos remeter a experiências ou aprendizados do passado para conseguir determinar quais ações e comportamentos devemos empreender naquele contexto.
Por exemplo, uma empresa multinacional que da noite para o dia se vê envolvida em um ataque cibernético envolvendo um estado nação em um contexto geopolítico instável está lidando com um cenário ambíguo, onde existem muitas possibilidades de interpretação, indefinições e pouco conhecimento tácito sobre como lidar com o evento em questão.
O segundo tema é relacionado com a falta de entendimento sobre as relações de causa e efeito de uma situação em questão, onde apesar de não necessariamente ser uma situação inédita, se trata de uma situação para a qual não sabemos como as interdependências e seus feedbacks estão estruturados, logo a nossa capacidade de ação e predição das consequências é bastante limitada.
Este caso pode ser ilustrado com uma situação hipotética onde se tenta explorar porque a demanda para um produto em particular diminuiu nos últimos meses: as causas podem ser várias - entrada de um competidor, cenário macroeconômico, baixa qualidade na experiência oferecida, um produto ou serviço substituto no mesmo espaço.
Dado que as causas possíveis são variadas e muitas vezes desconhecidas, assim como muito provavelmente as relações de causa-efeito e suas interdependências também não são claras, temos um cenário com bastante ambiguidade para definirmos os próximos passos, tornando muito difícil a tarefa de entender e explicar o que está realmente acontecendo.
O último é ligado ao quanto conseguimos definir o que é esperado de um papel ou responsabilidade dentro de um grupo de trabalho e o quão preciso e exaustivo conseguimos ser com as sequencias de passos que são esperadas para a execução daquele trabalho.
A ambiguidade entre papeis e responsabilidades em um grupo de trabalho é bastante comum em empresas, infelizmente. Um exemplo é a relação entre o RH, a liderança e o liderado no acompanhamento e determinação dos caminhos de carreira dentro de uma empresa.
Enquanto obviamente o RH possui atribuições claras sobre isso, os líderes tendem a estar mais perto localmente das pessoas no dia a dia por conta da sua relação direta com o liderado e por isso também possuem parte desta atribuição. Esse arranjo conspira para uma ambiguidade em determinar até onde vai o papel e responsabilidade, por exemplo, de pessoas do time do RH e as lideranças que trabalham com as pessoas no dia a dia.
O mundo contemporâneo é cheio de ambiguidades, o que torna o trabalho de liderar e gerenciar uma empresa ou uma área particularmente desafiador hoje em dia, e por tanto a habilidade de identificar e saber lidar com ambiguidades em um ambiente como este se torna essencial.
No entanto, embora uma parte dos cenários ambíguos não possuam ainda uma solução direta e requerem uma abordagem empírica, iterativa e incremental para aprender a lidar com o problema, existem cenários onde permitir que exista ambiguidade pode ser desnecessário e possivelmente arriscado.
O artigo Ambiguity and Workarounds as contributors to Medical Error contrasta empresas que permitem um nível alto de ambiguidade em suas funções ( e por isso acabam sendo mais propensas a erros e acidentes ) versus empresas que utilizam um processo de melhoria contínua para identificar e endereçar eventuais ambiguidades no ambiente de trabalho:
“In pursuing quality, safety, productivity, and flexibility, leaders in other industries specify exactly what is expected in the 4 aspects of work described above. In so do- ing, they create the opportunity to be surprised, allowing workers to recognize deviations from the expectations implied by the original specification. Then, once 'surprised,' these leaders treat discrepancies as something that is not ‘normal’ and should be investigated immediately. This approach contains problems, generates knowledge, and leads to improvements.
For example, aircraft carriers are dangerous workplaces because of severe weather, limited visibility, rapid changes in mission, and continuous arrivals and departures of aircraft, all needing the same limited deck space, equipment, and crew. Despite these dangers, flight operations are typically safe. Work is highly specified, even for circumstances in which a change in situation requires a change in roles. Crews color-code uniforms, demarcate spaces on the deck, and define what is to be done during launches and recoveries. Aberrations, such as someone being out of position, quickly make it obvious that operations cannot continue as if all were 'normal’.
Southwest Airlines is faster and more accurate than its competitors at the critical process of flight departures— despite having to coordinate specialized employees amid the vagaries of weather, airport congestion, mechanical failures, and load fluctuations. It specifies what must be done to ensure a smooth departure and also to make it evident even when the situation has changed (and thereby requiring a different but also specified plan).
Toyota—a leader in the complex work of product design, new-model introduction, and production —specifies how work is to be done so that even small deviations from expectations (whether in routine work or in highly complex unique efforts such as new- model launches and disaster recovery) are evident. Once detected, problems are promptly investigated and contained, and information relevant to understanding them is fresh and easier to accurately reconstruct than it would be if problem solving were delayed.”
fonte: Ambiguity and Workarounds as Contributors to Medical Error, Steven Spear / Mark Schmidhofer
Paradoxos na vida organizacional
fonte: Cartaz da LEGO sobre paradoxos relacionados a gestão, recentemente republicado por Barry Overeem no twitter
A imagem acima descreve um desafio que é intimamente relacionado com o contexto de ambiguidade que vimos acima: Liderar e gerenciar é uma atividade repleta, não apenas de ambiguidades, mas também de paradoxos.
O cartaz da LEGO acima traz alguns bons exemplos: é esperado de uma liderança que ela seja capaz de estabelecer uma relação próxima com os funcionários e ao mesmo tempo que mantenha uma distancia apropriada, é esperado que ela lidere e ao mesmo tempo deixe que as pessoas tomem a liderança, é esperado que ela planeje o seu dia de trabalho cuidadosamente e ao mesmo tempo que seja flexível com o seu planejamento.
Liderar e gerenciar é uma atividade repleta de paradoxos, e a capacidade de conseguir diferenciar um problema de um paradoxo e saber lidar com idéias e perspectivas opostas simultaneamente enquanto um contexto é avaliado é uma habilidade extremamente valiosa para os dias de hoje.
Vamos olhar dois exemplos: um paradoxo comumente apresentado para a liderança é relacionado com treinar ou não treinar os seus funcionários de maneira diligente. O desafio acontece da seguinte forma: o investimento ( tanto em termos de tempo, quanto financeiramente ) para garantir que os funcionários estejam devidamente treinados pode ser expressivo para algumas empresas em algumas industrias.
A vantagem competitiva obtida com o treinamentos é obvia, no entanto, em muitos casos essa vantagem competitiva é tanta que acaba por destacar as habilidades do funcionário treinado no mercado de trabalho e eventualmente após alguns meses ou anos investindo no treinamento e formação dos mesmos, eles podem acabar por deixar a empresa para outra oportunidade.
Eis o paradoxo então: se treinarmos os funcionários eles agregam mais valor a empresa, mas isso pode levá-los a receberem mais propostas de emprego fazendo com que eventualmente eles deixem a empresa. Por outro lado, se não treinarmos os funcionários por conta deste receio, teremos uma força de trabalho pouco produtiva e pouco treinada afetando diretamente a competitividade da empresa no médio/longo prazo. Visualizaram o paradoxo?
Obviamente a resposta para esse paradoxo é bastante direta: os impactos negativos de não ter uma força de trabalho treinada superam os impactos de eventualmente perder essas pessoas para o mercado, então líderes e gestores precisam investir continuamente no treinamento e formação das pessoas, além de atuarem incansavelmente na construção de um ambiente de trabalho sustentável que vai ajudar na retenção dessas pessoas no médio/longo prazo.
Mas independente da abordagem correta a ser seguida, estamos lidando com um paradoxo que muitas vezes pode debilitar a capacidade de atuação da liderança. Nestes contextos é muito comum se retrair para um comportamento de paralisia de analise, na expectativa de que com mais informação e dados conseguiremos chegar a uma solução final para o desafio.
Um segundo paradoxo é a relação entre preço e qualidade: durante muito tempo acreditava-se que para construir um produto de qualidade invariavelmente teríamos a implicação de que este produto seria mais caro, não apenas por conta do posicionamento do preço mas também por conta dos custos incorridos para se construir um produto com qualidade superior.
Por essa perspectiva, ou você escolhia fazer um produto vendido por um preço baixo, e por tanto o cliente receberia um produto com uma qualidade inferior, ou você escolhia fazer um produto com qualidade superior e por tanto o preço necessariamente seria mais caro.
A Toyota e o TPS ( Toyota Production System ) quebrou esta lógica conseguindo conciliar supostos paradigmas diametralmente opostos na produção dos seus carros.
Em parte, ela conseguiu fazer isso por conseguir entender, concicliar e resolver aspectos contraditórios da relação entre qualidade e preço, e por isso é uma das empresas dominantes no mercado de automóveis consistentemente nas últimas quatro décadas:
“Quite simply, TPS is a ‘hard’ innovation that allows the company to keep improving the way it manufactures vehicles; in addition, Toyota has mastered a ‘soft’ innovation that relates to corporate culture. The company succeeds, we believe, because it creates contradictions and paradoxes in many aspects of organizational life. Employees have to operate in a culture where they constantly grapple with challenges and problems and must come up with fresh ideas. That’s why Toyota constantly gets better. The hard and the soft innovations work in tandem. Like two wheels on a shaft that bear equal weight, together they move the company forward. Toyota’s culture of contradictions plays as important a role in its success as TPS does, but rivals and experts have so far overlooked it.
Toyota believes that efficiency alone cannot guarantee success. Make no mistake: No company practices Taylorism better than Toyota does. What’s different is that the company views employees not just as pairs of hands but as knowledge workers who accumulate chie—the wisdom of experience—on the company’s front lines. Toyota therefore invests heavily in people and organizational capabilities, and it garners ideas from everyone and everywhere: the shop floor, the office, the field.
At the same time, studies of human cognition show that when people grapple with opposing insights, they understand the different aspects of an issue and come up with effective solutions. So Toyota deliberately fosters contradictory viewpoints within the organization and challenges employees to find solutions by transcending differences rather than resorting to compromises. This culture of tensions generates innovative ideas that Toyota implements to pull ahead of competitors, both incrementally and radically.”
fonte: The Contradictions that Drive Toyota’s Success, Takeuchi, Osono, Shimizu
Cada vez mais é esperado dos líderes no século 21 que eles lidem com contextos que além de serem complexos também são cada vez mais ambíguos e paradoxais. A capacidade de identificar esse tipo de contextos e conseguir reconciliar as suas contradições e tensões internas é uma vantagem competitiva a ser perseguida e aprendida por todos.