Sobre a competição por talentos no mercado de tecnologia - Parte 1 - transformação na indústria
Recentemente eu tive a oportunidade de palestrar na International System Dynamics Conference 2021 sobre uma visão sistêmica para o tema da competição por talentos no mercado de tecnologia, onde a escassez de pessoas disponíveis no mercado é agravada pela altíssima demanda por esse perfil de profissional, gerando diversas dinâmicas com consequências graves no curto, médio e longo prazo.
A análise descrita aqui foi fruto de diversas sessões com o grupo de system dynamics da Concrete, composto por diversas pessoas chave da empresa (e alguns que já saíram), por exemplo, Andre Coelho, Carol Almeida, Filippe Saba, Gustavo Gontijo, Ibere Borges, Mariana Bernardino, Mohamad Jameh, Renato Monteiro, Sergio Igarashi, Thiago Lioy e outros que se juntaram depois nessa equipe multi-disciplinar.
Confira também a parte 2 e parte 3 da série de artigos
Para falarmos da competição por talentos no mercado de tecnologia e suas implicações, precisamos antes abordar um tema mais amplo sobre revoluções tecnológicas e ciclos transformacionais que afetam economias e os seus mercados. É importante começarmos a nossa análise a partir disso, pois a competição por talentos e os seus efeitos acontecem dentro de um contexto estrutural que causam as pressões que experimentamos individualmente como funcionários, clientes, empresas ou indústrias aonde estamos inseridos.
O livro da Carlota Perez descreve de forma geral a relação entre revoluções tecnológicas e o mercado de capitais que impulsionou diversas das mudanças estruturais que experimentamos nos últimos séculos
“The last quarter of the twentieth century witnessed the apparently boundless rise of two forces: the information revolution and financial markets. Many have chanted the virtues of the one for increasing productivity and of the other for unleashing the drive for wealth that moves the economy forward.
(…)
This book will argue that similar productivity explosions and bursts of financial excitement leading to economic euphoria and subsequent collapses of confidence have occurred together before. They are interrelated and interdependent phenomena; they share the same root cause and are in the nature of the system and its workings. They originate in the way technologies evolve by revolutions, in the peculiar manner in which these great upsurges of wealth creating potential are assimilated by the economic and social system and in the functional separation of financial and production capital.
The main contention is that the full fruits of the technological revolutions that occur about every half century are only widely reaped with a time-lag. Two or three decades of turbulent adaptation and assimilation elapse, from the moment when the set of new technologies, products, industries and infrastructures make their first impact to the beginning of a ‘golden age’ or ‘era of good feeling’ based on them. For each technological revolution, that time-lag is characterized by strong divergence in the rates of growth of industries, countries and regions as well as a worsening of the trends in income distribution that had previously prevailed.
Historically, those decades have brought the greatest excitement in financial markets, where brilliant successes and innovations share the stage with great manias and outrageous swindles. They have also ended with the most virulent crashes, recessions and depressions, later to give way, through the establishment of appropriate institutions, to a period of widespread prosperity, based on the potential of that particular set of technologies”
fonte: Technological Revolutions and financial capital: The dynamics of bubbles and golden ages, por Cartola Perez
O gráfico abaixo ilustra na forma de uma curva S as fases recorrentes que acontecem em grandes transformações causadas por revoluções e invenções tecnológicas que são impulsionadas pelo mercado de capitais. O modelo é dividido entre o período de instalação, onde o paradigma econômico-tecnológico anterior é rompido, seguido por um frenesi generalizado, e posteriormente sucedido pelo período de desenvolvimento (deployment), onde sinergias e um estágio de maturidade são alcançados dentro deste novo paradigma
Fonte: Technological Revolutions and financial capital: The dynamics of bubbles and golden ages, por Cartola Perez
Analisando esses mesmos ciclos a partir de um contexto mais focado em uma indústria e as empresas dentro da mesma, o que vemos é que dada a pressão suficiente a partir da mudança de hábitos dos consumidores, novas tecnologias, mudanças regulatórias, assim como por novos entrantes no mercado uma indústria eventualmente é desafiada a se transformar, normalmente lideradas pelas empresas “early adopters” e/ou algum entrante, o que eventualmente desencadeia uma pressão crescente na indústria inteira a aderir a uma transformação
As empresas que começam a sua jornada de transformação ( por exemplo, uma jornada de transformação digital ) possuem uma necessidade de resultados de curto-prazo e de aprendizado organizacional sobre o tema. Parcerias com consultorias e consultores especializados no desafio em questão, mudanças e adaptações no board da empresa, novos perfis de funcionários e lideranças sendo contratados, mudanças nos processos internos para garantir um fit maior com os desafios atuais, pilotos de programas transformacionais, novas formas de trabalho, estruturas e mudanças culturais começam a acontecer nessa fase.
Eventualmente os resultados iniciais de movimentos como os citados acima começam a ser colhidos, a empresa começa a se sentir mais madura e preparada para continuar em sua jornada de transformação saindo do estágio de ‘iniciante’ para um nível mais experiente e maduro, se separando das empresas que ainda não chegaram nesse ponto.
Esse loop, que se equilibra, eventualmente catapulta empresas “early adopters” para um novo patamar dentro da indústria, suas necessidades de mudança precisam de um capability mais bem desenvolvido e completo, o que necessariamente requer mudanças mais profundas e estruturais na empresa, eventualmente levando a uma transformação menos superficial, e sim para uma mudança mais duradoura, o que obviamente demanda tempo ( time delay ) e esforço.
Esses movimentos geram uma pressão maior ainda nos “atrasados” ( laggards ) em suas jornadas transformacionais, fazendo com que esse grupo “atrasado” precise se adaptar mais rápido e radicalmente ao nível atual da indústria ou morrer ( provavelmente por mecanismos como a falência ou fusão com empresas mais avançadas e preparadas )
A dinâmica descrita pelo diagrama acima, acontece ao longo de anos ( e muitas vezes décadas ) dentro de uma indústria. Podemos expandir essa análise para o contexto mais restrito da transformação digital que vem ocorrendo nas últimas décadas. No entanto para falarmos devidamente sobre a competição por talentos no mercado de tecnologia, precisamos analisar de forma mais específica o que acontece dentro de uma empresa que está sofrendo essa pressão por transformação.
A dinâmica para financiar os programas de transformação em uma empresa
O passo seguinte a decisão de perseguir esse novo objetivo gera a necessidade de financiar essa transformação ( alocar os diversos recursos da empresa para essa nova empreitada ), isso ocorre através de mecanismos de contração de dívida disponibilizados pelo sistema financeiro, venda de ativos ou desinvestimento em iniciativas desalinhadas com o novo objetivo para liberar recursos, ou até mesmo a partir de formas mais próximas de um capital de risco.
Independente da forma, eventualmente esse capital precisa ser disponibilizado para ser utilizado para financiar o movimento transformacional da empresa.
O diagrama acima explica essa dinâmica que é o motor dos programas transformacionais, e que inevitavelmente gera a competição por talentos que vamos discutir mais a frente. É importante percebermos que se trata de um ciclo que se equilibra, ou seja, uma vez que capital o suficiente é disponibilizado para a transformação, e a transformação de fato acontece ( ou começa a acontecer para as empresas que tiverem sucesso ), essa pressão é diminuída até se equilibrar em um novo patamar.
Podemos modelar essa mesma dinâmica para o capital de risco e como o ciclo de financiamento é conduzido para startups dentro desse contexto: em outras palavras, apesar de mecanismos relativamente diferentes, o ciclo de obtenção de investimento para financiar a existência e escalabilidade de uma startup tem suas similaridades com o ciclo de financiamento de programas transformacionais em empresas estabelecidas, a principal diferença entre os dois casos é a gestão de risco e expectativa de retorno sobre o investimento ( tanto em tempo, quanto em múltiplo )
Quanto mais favoráveis as condições econômicas para capital de risco ( ex.: taxa de juros baixa e excesso de liquidez no mercado ), maior a atividade desse tipo de investimento, mais capital se torna disponível levando a mais rounds de investimentos, aumentando a chance de sucesso de startups no portfólio e fechando o ciclo com o aumento da probabilidade de retorno dos investimentos feitos dessa forma
Independente se estamos falando de empresas estabelecidas com capital disponível para perseguirem diversas iniciativas e ações para se transformarem, ou startups com alto potencial de crescimento que tenham recebido um alto volume de investimento e tenham capital disponível para financiar os seus próximos passos, um dos principais movimentos executados na sequência é a busca e competição por talentos que tenham o skill necessário para conduzir e executar a transformação.
A habilidade de atrair, desenvolver/formar e reter talentos o suficiente, do tipo que é necessário para sustentar a mudança, é um dos fatores críticos para o sucesso.
Takeaways
Neste artigo cobrimos como a transformação em um indústria causada por fatores diversos (novas tecnologias, novos hábitos do consumidor, mudanças regulatórias ou novos entrantes no mercado ) causam uma pressão para que empresas dentro daquela indústria se transformem, vimos também como para se transformar as empresas precisam dedicar recursos para essas novas iniciativas, especialmente capital para financiá-los.
Munidos desse capital, entre outras coisas, as empresas começam a buscar talentos que possam ajudar a conduzir e executar a transformação necessária. É aqui que começamos a ver a causa e os efeitos da competição por talentos, por exemplo, no mercado de tecnologia, vamos cobrir essas dinâmicas subsequentes no próximo artigo.
Concordo e deixo minha observação. Essa sede de inovação trás 2 fortes pontos que é quase uma peneira furada... 1 que são as propostas em massa onde ignoram o nível dos contratados e
2 acarreta em escolhas equivocadas de tecnologias dentro das empresa que não solucionam seus reais problemas.