Sobre a competição por talentos no mercado de tecnologia - Parte 2 - O jogo da atração e retenção de talentos
Veja também a parte 1 e a parte 3 dessa série de artigos.
A competição por talentos em tech é algo que aflige até os mais alto expoentes da nossa indústria, abaixo duas threads de email: Steve Jobs ( CEO da Apple ) e o Ed Colligan ( CEO da Palm ) em 2007 discutindo sobre a competição por talentos entre as duas empresas.
E a thread de emails entre a Sheryl Sandberg ( COO do Facebook ) conversando com Jonathan Rosenberg ( SVP of Products da Google ) sobre uma empresa solicitando talentos da outra
Emails como os acima costumam aparecer em ações legais envolvendo grandes empresas de tech e falam um pouco sobre os desafios que enfrentamos enquanto indústria.
A rivalidade para a competição por talentos depende intrinsecamente da disponibilidade ou indisponibilidade ( supply ) de talentos no mercado. Por exemplo, dada a recente transformação que estamos passando na última década com os ciclos de transformação digital na maioria dos países do mundo, é seguro assumir que na grande maioria das situações existe mais demanda para talentos desse tipo do que talentos disponíveis no mercado.
Existem diversas causas para esse fato, desde pouco investimento na educação de base que atenda as demandas futuras do mercado de trabalho, falta de acesso a tecnologia ou ainda interesse cultural sobre esse tipo de trabalho e campo de conhecimento.
Independente se analisamos o caso específico da transformação digital, por exemplo no Brasil ou na América Latina, ou se abordamos casos mais gerais de grandes transformações, sempre que fenômenos como esse acontecem simultaneamente existe uma crescente pressão pela atração (demanda) de talentos necessários para catalisar a transformação, o que em dado um cenário de escassez (supply) gera imediatamente uma pressão para o aumento de compensação oferecida para esses profissionais: uma simples dinâmica de oferta e demanda fora de equilíbrio.
Dado que não existem profissionais o suficiente na indústria, a competição por talentos na verdade se torna um jogo soma zero, onde para uma empresa possuir tal talento em seu quadro de funcionários outra empresa invariavelmente vai ter que perder esse mesmo funcionário. Essa dinâmica movida a turn-over de funcionários é, infelizmente, o padrão de comportamento esperado em casos como esses.
No entanto, quando uma empresa começa a ser afetada de forma sistemática pelas constantes perdas de funcionários para outras empresas no mercado, o problema acaba se transformando em dois e se agrava: essa empresa normalmente precisa repor as vagas dessas pessoas que saíram, assim como ela também costuma iniciar programas de retenção proativas dos talentos que permanecem em seus quadros. Essas duas medidas somadas a escassez já existente no mercado, colocam uma pressão adicional na compensação oferecida para os talentos no mercado, causando uma dinâmica de escalada tradicionalmente encontrada em cenários como esses.
Dado o ciclo de financiamento descrito anteriormente, essa competição pautada pelo intenso uso de capital ( em vez de abordagens mais sustentáveis no longo prazo de formação, atração e retenção de talentos ) aumenta substancialmente a compensação média oferecida na industria para talentos em geral.
O que acontece em um movimento proativo para reter os funcionários de uma empresa além do aumento de compensação, é a oportunidade e oferta de crescimento de carreira acelerados, normalmente concretizados na forma de rápidas evoluções em cargos e posições ocupadas ( por exemplo, uma mudança repentina para papeis gerenciais ou a rápida evolução de um profissional junior para pleno e senior em pouquíssimo tempo ) até que esses talentos sintam-se adequadamente recompensados e por fim encontrem-se temporariamente retidos em suas empresas atuais.
Esse movimento, obviamente adiciona mais pressão ainda no ciclo de competição por talentos fazendo com que seja mais difícil ainda para que outras empresas sejam atrativas para essas pessoas. O que acontece normalmente é mais uma escalada de compensação e benefícios oferecidos para causar mais estímulo a movimentação desses profissionais para outras empresas, causando o mesmo comportamento do ciclo mais uma vez, como ilustrado no diagrama acima.
Esses dois loops ( talent competition loop e talent retention measure loop ) geram a dinâmica que estamos vendo sistematicamente em empresas de tecnologia ou que precisaram de profissionais de tecnologia na última década por conta da transformação digital por exemplo.
Uma das consequências dessa dinâmica parece ser a velocidade com a qual pessoas são alçadas a posições mais seniores sem o tempo necessário de amadurecimento e experiência, isso acontece por necessidade das empresas e intenção dos funcionários, e é acoplada como uma das medidas de retenção já discutidas aqui. Dado esse movimento, o que vemos é sistematicamente pessoas assumindo posições de liderança em empresas sem o devido preparo, causando diversos impactos na qualidade e performance das empresas onde estão inseridos assim como na performance média da indústria como um todo. [1]
A erosão das capacidades de uma empresa devido a competição por talentos em um cenário de escassez
Dinâmicas como as descritas acima, causam a erosão das capacidades de uma empresa, o que dificulta mais ainda atingir os objetivos transformacionais que a empresa enfrenta, assim como entregar resultados. Os impactos gerados a partir disso são diversos, desde impactos na cultura da empresa, satisfação dos funcionários em geral e retenção adicional, e obviamente também consequências graves e profundas na qualidade e performance do que é experimentado pelos clientes dessas empresas.
Acima, o loop de “dreno de talentos” no qual o crescimento de uma empresa e a sua atratividade são diminuídos por causa do turn-over de talentos dada a competição em um cenário de escassez.
O segundo fenômeno a ser observado é a diluição de talentos dentro de um empresa: Conforme a empresa aumenta os esforços de recrutamento e treinamento para equilibrar o turn-over gerado pelo loop de “dreno de talentos”, e por consequência aumenta o fluxo de novos funcionários e pessoas que necessitem de treinamento (tanto em temas de hardskill mas assim como em temas de softskill), isso causa uma diluição dos esforços dos talentos e pessoas seniores da empresa.
Em outras palavras, para equilibrar a perda de talentos, aumentamos a carga na gestão e diluímos o impacto de pessoas talentosas em proporção aos new joiners, o que diminui a performance e a qualidade dos produtos e serviços oferecidos por essa empresa.
Outra consequência dessa dinâmica é o aumento da pressão financeira nas empresas tentando competir por esses talentos. Em outras palavras, o aumento da folha de pagamento e outras medidas de compensação e benefícios coloca uma pressão adicional no caixa da empresa, além de causar um efeito onde novos funcionários potencialmente recebem de partida compensações, benefícios e cargos maiores e melhores do que funcionários que estão atualmente na empresa, como uma forma de aumentar a atratividade instantânea do recrutamento sob pressão.
Dada a velocidade com que isso acontece, o departamento de pessoas e recursos humanos precisa pensar em políticas para acomodar essa escalada de compensação mantendo o engajamento dos funcionários e a cultura da empresa, assim como a gestão precisa manter coerência em seus atos para continuar sendo depositária da confiança dos seus liderados em relação a direção que a empresa está tomando.
Esses quatro ciclos: talent drain, talent dilution, management pressure e seniority and standards erosion, causam efeitos muitas vezes devastadores em uma indústria, suas empresas e na carreira das pessoas envolvidas nela.
No próximo e último artigo da série, vamos analisar a perspectiva dos talentos em um mercado em transformação que tenha escassez de mão de obra, e como isso impacta as suas carreiras, a sustentabilidade desses ciclos nas vidas dos profissionais e possíveis políticas/intervenções nesse sistema dinâmico complexo e os seus efeitos no curto, médio e longo prazo.
Veja também a parte 1 e a parte 3 dessa série de artigos.
[1] - É importante ressaltar que esse mesmo fenômeno já aconteceu diversas vezes na história, por exemplo, dinâmicas similares foram uma das causas para a rápida ascensão ao cargo de general de Napoleão Bonaparte durante a revolução francesa em menos de 5 anos ( em outras palavras, a escassez de profissionais qualificados em momentos de altíssima demanda é algo que assola a humanidade já a algum tempo ).
Sobre a competição por talentos no mercado de tecnologia - Parte 2 - O jogo da atração e retenção de talentos
Muito interessante a formas que os ciclos foram desenhados.