A função da descoberta de produto e a relação com risco, variabilidade e redução de tamanho de lote
A forma mais objetiva de entender os benefícios da descoberta de produto é a partir da ótica de redução de riscos. Por exemplo, uma das suas definições é como ela mitiga os seguintes riscos:
value risk (os clientes vão comprar o seu produto ou os usuários irão querer usá-lo?)
usability risk (os usuários conseguem usar o seu produto?)
feasibility risk (os engenheiros conseguem construir o produto com o tempo, skills e tecnologia que temos?)
business viability risk (o produto funciona para os vários aspectos do negócio?) [1], [2]
Ao antecipar a validação das hipóteses mais arriscadas implicadas na concepção daquele produto e sistematicamente obtermos feedbacks de usuários e clientes reais, conseguimos diminuir o risco de encaixe entre o produto e o problema que ele se propõe a resolver.
Enquanto no desenvolvimento de um produto utilizando o modelo tradicional o risco diminui apenas quando chegamos em uma etapa avançada do mesmo (ou seja, na grande maioria dos casos o risco acumulado apenas diminui quando o produto é de fato lançado), ao utilizarmos uma abordagem para redução de risco no inicio do desenvolvimento do produto nós aumentamos a quantidade e a qualidade de informações que temos sobre o problema que estamos tentando resolver, o usuário que queremos atender, a viabilidade da solução e diversos outros aspectos relacionados ao mesmo.
Variabilidade, variedade e assimetrias
“We cannot add value without variability, but we can add variability without adding value”
The Principles of Product Development Flow, Donald Reinertsen
O segundo aspecto importante da descoberta de produto é relacionada a quantidade e variedade de hipóteses testadas em um período de tempo: quanto maior a variedade de hipóteses/ideias/experimentos a serem testadas, maior a probabilidade de sucesso.
Do livro Innovation Tournament: Creating and Selecting exceptional opportunities (Ulrich e Terwiesch)
A variedade de hipóteses/experimentos/oportunidades aumentam a probabilidade de retorno financeiro em geral. No exemplo abaixo representamos o retorno esperado para um conjunto de investimento ao adicionarmos ao portfólio de investimento dois investimentos novos com expectativa de retorno expressivas, nesse caso a curva geral de rentabilidade esperada desse portfólio aumenta consideravelmente.
Do livro Innovation Tournament: Creating and Selecting exceptional opportunities por Ulrich e Terwiesch
O terceiro ponto importante sobre descoberta de produto é a conexão sobre o tema de variabilidade e assimetria de retorno potencial, onde o downside ao falhar (invalidar uma hipótese) é menor do que o upside de um sucesso (ao descobrir um produto que consigamos construir, e que simultaneamente atenda as necessidades do usuário e os objetivos de negócios ). O livro The Principles of Product Development Flow aborda esse tema de uma maneira bastante construtiva.
O primeiro problema que encontramos quando falamos de variabilidade é que na grande maioria das vezes variabilidade em um processo é considerada negativa e é visto como algo que gera desperdício. Esse pensamento é calcado em alguns aspectos do lean manufacturing e six sigma, onde a baixa variabilidade produz mais repetição, mais maturidade de processo, menos defeitos e mais eficiência.
Exemplos ilustrativos de variabilidade em processos de produção. Nesse contexto de manufatura o que queremos é menos variabilidade, pois variabilidade gera diversos desperdícios uma vez que já descobrimos o produto que precisa ser construído e organizamos a linha de montagem para produzi-lo.
No entanto, a reflexão chave aqui é que nem toda variabilidade é negativa, além disso existem pontos específicos onde a introdução de variabilidade costuma ser frequentemente positiva: a descoberta de produto ( e redução de risco ) antes do comprometimento de muitos recursos para a implementação do mesmo é um exemplo claro onde mais variabilidade aumenta o potencial de retorno, por exemplo:
"We frequently encounter asymmetric payoffs in product development. The value of a success can be much higher than the cost of a failure. (…) In the presence of payoff asymmetries, higher variability can create higher economic value.
Consider a pharmaceutical company selecting a new drug candidate to investigate. Which would be a better choice, a new, poorly understood molecule, recently scraped out of the Amazon mud, or a well-understood molecule that had been around for 20 years? The payoff function for new drugs is very asymmetric. Success can produce a $1 billion blockbuster drug, whereas failure may simply waste the $10,000 cost of an experiment.”
The Principles of Product Development Flow, capítulo Exploiting Variability, Donald Reinertsen
Onde tradicionalmente descobriríamos se um produto ou funcionalidade gera o valor necessário apenas no final do desenvolvimento do produto, a introdução de variabilidade ao perseguir diversos experimentos em paralelo restritos a um investimento de baixo custo aumenta a chance sucesso em casos onde a assimetria entre o custo de fracassar rápido e barato em uma hipótese ruim versus o benefício de encontrar uma hipótese que tem sucesso gere um retorno que seja desproporcionalmente maior.
fonte: The Principles of Product Development Flow, por Donald Reinertsen no capítulo Exploiting Variability
Obviamente não são todas as oportunidades que possuem uma assimetria desproporcional entre downside e upside e por isso se torna um fator chave identificar essas oportunidades de maneira objetiva, caso contrário teremos diversos experimentos de baixo custo e com baixo payoff.
Redução de tamanho de lote e velocidade
O quarto aspecto importante na descoberta de produto é relacionado ao tamanho do lote sendo testado. Todos nós já sabemos dos benefícios de lotes menores e a sua relação com melhores resultados econômicos e eficiência de fluxo.
fonte: The Principles of Product Development Flow, por Donald Reinertsen no capítulo Reducing Batch Size
No entanto, muitas vezes a relação entre lotes menores e feedbacks mais rápidos é muitas vezes ignorada na descoberta de produto. Quanto menor o tamanho do lote sendo validado, mais rápido é o feedback, mais rápido é o aprendizado. Quanto maior a velocidade do aprendizado, maior a quantidade de hipóteses validadas/invalidadas, mais hipóteses validadas/invalidadas aumentam a nossa eficácia diminuindo a incerteza a cerca do produto a ser construído, o que por sua vez gera lotes ainda menores, pois esses tendem a ser mais certeiros.
A relação entre redução de riscos e aumento da velocidade do aprendizado é claríssima em diversos exemplos, desde o ciclo Build-Measure-Learn do Eric Ries até definições mais explicitas como a abaixo:
“Discovery prioritizes fast learning over everything else. The task is not to create reusable code, it is to gain insights into the team as quickly as possible. The most expensive idea is the one that gets built but never used.”
Até agora já identificamos 4 grandes benefícios utilizando a abordagem de descoberta de produto:
validar antecipadamente hipóteses arriscadas no ciclo de um produto gera reduções de riscos consideráveis no desenvolvimento do mesmo
aumentar a variedade de hipóteses/experimentos testados aumentam a probabilidade de sucesso geral da curva de retorno potencial.
assimetria de retornos potenciais, onde experimentos baratos e rápidos permitem o descarte de ideias ruins com pouco prejuízo ao mesmo tempo que possibilitam encontrarmos oportunidades cujo sucesso gera um upside maior do que o downside
lotes menores geram feedback e aprendizado mais rápido, onde experimentos rápidos ( e menores ) permitem um ciclo mais curto de feedback, aumentando a velocidade do aprendizado e maximizando a quantidade de aprendizado no tempo, aumentando a chance de encontrarmos (e descartarmos) mais rápido as ideias boas (e ruins) a cerca do produto que estamos construindo
A pergunta que sobra é: em face de tantos benefícios por que ainda existem tantas iniciativas de produto em diversas empresas que não se alavancam das abordagens descritas aqui? Vou tratar desse tema em um outro artigo.
[1] - business viability risk na minha opinião é um termo guarda-chuva pouco útil para a discussão de descoberta de produto e simplesmente serve para sinalizar que existem outros riscos além dos 3 principais que devem ser considerados. Ao expandir a atuação do gerente de produto dentro da corporação, vai existir cada vez mais a integração desses riscos e o dia a dia da equipe de produto.
[2] - Algumas pessoas falam de um outro risco chamado de ethics risk, onde a pergunta é: devemos construir o produto que estamos descobrindo e da forma como estamos pensando em construí-lo? No contexto de hoje esse questionamento se torna mais pertinente ainda.
Cara, você tinha que escrever um livro! hahaha
Parabéns pelos textos!