Convergência estratégica em produtos digitais
A figura abaixo é de um estudo sobre convergência estratégica e exemplifica como uma indústria constituída de um conjunto de empresas, após alguma inovação tende a imitar/copiar/mimicar os avanços entre si ao longo do tempo e acabando inevitavelmente por convergir, eliminando ( mesmo que parcialmente ) não apenas a vantagem competitiva introduzida mas também afetando a rentabilidade média na indústria.
Em uma modelagem e simulação feita em “Strategy Convergence Creates Opportunities for Strategic Innovators”, por Constantinos C. Markides (London Business School), Erik Larsen e Michael Gary, foi analisado o movimento convergente de uma indústria em direção a estratégias similares ( seja ela de modelo de negócio, posicionamento, desenvolvimento de produto, inovação tecnológica, eficiência operacional e outros ). O modelo mostra como com o passar do tempo a distância estratégica entre as empresas tende a diminuir, convergindo em pontos próximos entre si, ou seja, pouco diferenciada.
A relevância de difusões e convergências como a descrita acima é algo que costuma ocorrer continuamente e em velocidades diferentes dependendo da indústria, os mecanismos pelos quais isso acontece são diversos, eu cito aqui alguns dos mais comuns:
observação dos competidores diretos e indiretos ( seja através de engenharia reversa do seu posicionamento estratégico, modelo de negócios ou dos seus produtos assim como seus aspectos operacionais )
acompanhamento e compartilhamento de tendências do mercado através de “feiras da indústria”, congressos, eventos, business schools, think tanks, venture capitalists replicando modelos de sucesso em novas regiões e mídia especializada
a competição por talentos e perda de talentos para competidores levando know-how
Do ponto de vista de estratégia para produtos digitais, vemos o mesmo acontecendo em diversos produtos e empresas, por exemplo: o modelo de negócios da Netflix e da Amazon Prime Video é bastante similar, e apesar de se posicionarem de formas diferentes e para segmentos de mercados diferentes o Instagram possui diversos aspectos relacionáveis ao Twitter ou ao Snapchat, assim como as empresas de varejo online possuem abordagens fundamentalmente similares de experiência, atendimento ao cliente, centro de distribuição e logística de entrega.
Os quesitos no qual essa convergência pode acontecer são variados, por exemplo:
modelo de receita ( exemplo: a infinidade de empresas com modelo “as-a-service”, ou subscription based, ou freemium, ou capturando um “take rate” em uma transação )
modelo de aquisição de usuários/clientes ( exemplo: estratégia de member-get-member/invitation-only ou aquisição por anúncios programáticos, entre diversos outros )
experiência do cliente e/ou interface/usabilidade de alguma funcionalidade ( exemplo: one click checkout, padrão “busca-lista-detalhe” em catálogos de produtos, signup e onboarding em um produto com selfie e foto de um documento )
tecnologia aplicada no produto ( exemplo: desenvolvimento nativo para aplicativos mobile ou escalabilidade horizontal da arquitetura utilizando provedores de cloud )
modelo operacional, processos e métodos ( exemplo: utilização de algum sabor de agilidade - scrum ou kanban, product discovery, OKR e equipe multidisciplinares na concepção/ desenvolvimento dos produtos digitais )
Os casos relacionados com os quesitos acima são diversos, o Instagram e Snapchat na competição por stories serve como uma exemplificação recente, assim como a disputa que vai começar entre o Clubhouse e o Twitter Spaces provavelmente vai ser palco para o mesmo experimento.
O VP de produto do Instagram na época da controvérsia em relação ao Snapchat Stories e o Instagram Stories disse o seguinte em um entrevista:
"Se formos honestos com nós mesmos, essa é a forma como a indústria de tecnologia funciona, e francamente é assim que todas as industrias funcionam. Boas ideias começam em um lugar, e elas espalham ao longo de uma indústria. ‘Kudos’ para o Snapchat por ser o primeiro a conceber o Stories, mas ele é um formato e que vai ser adotado amplamente em diferentes plataformas”
Kevin Weil ( VP de Produto, Instagram )
Muito consciente do fenômeno de convergência e difusão de “boas ideias”, a frase do Kevin Weil pede pelas próximas perguntas: quando é melhor você ser o primeiro a se movimentar em um mercado e indústria trazendo uma inovação ou buscando um novo posicionamento estratégico, e quando é melhor que você apenas monitore e siga os seus competidores construindo em cima do que já foi desbravado e se beneficiando de mais informação?
A vantagem do first-mover e o papel do follower
Na essência do movimento convergente em uma indústria estão dois papeis: o da empresa que faz um primeiro movimento em direção a algo novo e a(s) empresa(s) que acompanha(m) esse movimento, potencialmente, executando-o da mesma forma.
Os mecanismos que determinam as vantagens de ser um first-mover são diversos, entre eles os dois mais importantes são: o controle de recursos escassos e a relação com o custo de mudança ( switching costs ) do comprador.
O controle de recursos escassos tem ligação com a capacidade de se estabelecer como o primeiro a explorar recursos diversos que só estarão disponíveis para a empresa que for a primeira a se movimentar para aquele espaço, por exemplo, a garantia de direitos de streaming de eventos esportivos quando concedidos exclusivamente para um player que foi o primeiro a se posicionar naquele segmento. Movimentos como esse fazem com que os ‘followers’ encontrem dificuldade em se posicionar pois tais recursos já estão sob posse exclusiva do ‘first-mover’.
O segundo mecanismo é ligado ao custo de mudança do comprador, em outras palavras, o quão difícil é para um comprador mudar de produto/serviço para um competidor após ele ter adquirido a solução do first-mover? Se for custoso para o comprador mudar para outro serviço e produto, a vantagem em ser um first-mover é claríssima.
No entanto existem diversos aspectos negativos em ser um first-mover, um deles é o fardo de lidar com toda a incerteza do mercado relacionado ao seu movimento ( Esse movimento será aceito pelos clientes e pelo mercado? Quais impactos isso pode ter na sua marca e posicionamento? ), assim como falamos anteriormente, existe também o efeito de “free riding” e “copy cat” onde os seus competidores se aproveitam do aprendizado obtido no mercado e com os consumidores para se beneficiar, introduzindo potencialmente produtos e serviços melhores, com menos incerteza e cujo o público-alvo já tenha superado parte da curva de aprendizado relacionada ao movimento para um posicionamento diferenciado.
Para os “followers” ou empresas que se movimentam tardiamente, abordagens como estudo criterioso do seu competidor e engenharia reversa dos seus movimentos, assim como no outro extremo uma posição mais agressiva de aquisição e fusão de empresas ( como foi o caso do Facebook com o Whatsapp e Instagram, por exemplo ) pode ser uma alternativa viável para se defender de ‘first-movers’.
O ponto central dessa discussão é que a convergência em uma indústria, seja ela em geral ou em âmbitos mais restritos, como o de produtos digitais, é um fenômeno conhecido, por tanto a habilidade de sistematicamente mapear o mercado, escolher os competidores pertinentes para o seu posicionamento e saber quando o primeiro movimento deve ser seu e da sua empresa, assim como quando o melhor movimento é esperar e seguir de acordo com o feedback do mercado é essencial.
Takeaways
É natural acontecer um movimento de convergência dentro de uma indústria, seja consciente disso
As formas como a difusão de uma inovação acontece em uma indústria são diversas, no entanto fique atento a transferência de conhecimento ao perder talentos para competidores, acompanhamento e compartilhamento de tendências da indústria, e faça a observação direta dos seus competidores em diversos quesitos
Sistematicamente avalie os seus competidores em quesitos como: modelo de negócio, modelo de receita, modelo operacional, funcionalidade e usabilidade dos seus produtos, tecnologia adotada e outros
As vantagens em ser um first-mover ou follower dependem da circunstância, porém aspectos como acesso a recursos escassos e custo de mudança alto para o comprador, podem indicar uma vantagem para o first-mover, assim como custo alto para introduzir uma inovação e os seus impactos na marca, curva de aprendizado do cliente, aceitação do mercado e P&D para desenvolvimento da mesma podem indicar uma vantagem para os followers
Escute também =)
A Produto pelo mundo entrevistou a alguns meses atrás o Marty Cagan, ele dispensa apresentações obviamente, mas eu sempre gosto de referenciá-lo quando o tema é produto. Vale a pena ouvir de novo para quem já ouviu, e para quem ainda não ouviu, recomendo fazê-lo pela primeira vez, o conteúdo é muito bom.
https://produtopelomundo.captivate.fm/episode/martycagan
Em tempo, saiu recentemente uma versão em português do Inspired, eu tive o prazer de participar, junto com uma equipe fantástica da Concrete*, na revisão técnica do conteúdo. Foi trabalhoso, mas o resultado foi gratificante pois ajuda a avançar um pouco mais a agenda de produtos no Brasil.
* Agradecimentos pela revisão técnica junto comigo: Gustavo Gontijo, Jessica Panhoca, Luciana Shinohara, Mohamad Jameh, Renata Dias, Renato Monteiro, Theo França.